CRONICA MEDICA
A tuberculose é uma doença social
Continuam os pobres tuberculosos ansiando pelo remedio que os cure, e quantas esperanças têm alimentado a noticia de que lá longe, na Dinamarca, um experimentador tinha conseguido obter um sal de ouro com forte poder destrutivo sobre os bacilos de Koch! Com o ruido que á volta desse novo medicamento se tem feito, julgam muitos que, se confirmadas forem as boas noticias de lá vindas sobre a eficacia do processo, todos os tuberculosos verão chegada a hora da sua cura... Já ao de leve me referi a esta ilusão, na passada crónica. Bom é que todos os tuberculosos, para não lançar sobre os tratamentos de real valor (como se espera que seja o agora anunciado) uma opinião injusta.
A tuberculose é uma doença que quasi todos têm ou tiveram, na maior parte das vezes tão benigna que cura sem que as pessoas atacadas tivessem sentido sinais de doença. Quando se revela pelos sofrimentos varios devidos ao seu desenvolvimento, então as lesões são extensas, o que não quere dizer que não sejam curaveis. Só o serão, porém, quando o mal fôr progredindo com vagar, lentamente. Mas se, como tanta vez sucede, alastra rapidamente, é sinal de que o terreno se presta bem á vida do bacilo de Koch, e nenhum tratamento será capaz de dar a cura, porque a grandeza dos estragos feitos tal não permite. Repito: é preciso não pedir á sciencia aquilo que ela não pode dar.
Em compensação, ha uma coisa que ela dá com certeza, por meio da higiene: é a redução notavel da frequencia da tuberculose como doença mortifera. E para isto, que é importantissimo, é que ninguem olha. Ha vinte e tal anos, os Congressos da tuberculose gritaram bem alto que a tuberculose é uma doença social, e que as condições de vida colectiva influem enormemente na sua produção. Mas vinte anos são passados, e todas as palavras foram quasi perdidas, porque delas ficaram apenas algumas pequenas obras de assistencia aos tuberculosos. As condições higienicas gerais permanecem sensivelmente as mesmas, e por isso a diminuição da mortalidade por tuberculose é muito limitada.
Ora se na questão da tuberculose como doença mortifera, o mais importante é a conservação do organismo de cada individuo em condições de resistir aos ataques quasi inevitaveis do bacilo, porque não olhar para a higiene geral da colectividade, com a certeza dum exito relativo mas seguro, em vez de esperar por um milagroso medicamento que venha um dia curar todos os tuberculosos?
A tuberculose é uma doença social, e sociais são os meios de redução da sua actividade dizimadora: é a destruição dos tegurios miseraveis sem ar sem luz, é a higiene das cidades com bons esgotos e boa agua em abundancia, é a assistencia aos que por falta de meios se não alimentam como é preciso, é o combate ao alcoolismo, é a elevação dos sala[ri]os aos trabalhadores, é todo o conjunto de causas de uma vida insana. Sem meios especiais de luta contra a tuberculose, a Inglaterra viu diminuir de 50 por cento, em pouco mais de 30 anos, a mortalidade por este grande mal. A melhoria das condições de vida da colectividade bastou para este excelente resultado. O prosseguimento dessa orientação, junto á acção dos dispensarios e sanatorios, reduziu ainda mais a quota da mortalidade por tuberculose, que está hoje pouco acima da terça parte do seu valor de ha 50 anos. Ah! Se nós fizessemos o mesmo...
Dr. A. Garrett.
A. Garrett - "CRONICA MEDICA"
in Diário de Notícias
de 2 de Março de 1925, nº. 21233, p. 5 (c. 2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2734.