Fabrico do vinagre
Em resposta a duas consultas, o «Noticias Agricolas» referiu-se já aos dois fermentos aerobios, o «micoderma vini» ou flôr do vinho, e o «micoderma aceti», produtor do vinagre. Acerca deste ultimo mais diremos, neste artigo, que o seu poder oxidante é inferior ao daquele, que se reune em colonias, dispostas em rosario (fig. 1), constituindo, quando se desenvolve á superficie do liquido alcoolico em que se dá a fermentação, um tenue veu cinzento claro, que se torna numa membrana mucilaginosa, se mergulha na massa liquida, passando, neste caso, o fermento ao estado de vida latente, e, portanto, a acetificação a ser nula ou quasi nula. O mesmo se dá quando a sementeira do «micoderma aceti» se faz no interior da massa liquida e não á sua superficie.
A fermentação acetica dá-se em todos os liquidos alcoolicos, distinguindo-se, conforme a sua origem, os vinagres de vinho, cerveja, malte, cidra, etc. Num país vinicola, como o nosso, o mais comum é o vinagre de vinho, cujo fabrico caseiro vamos descrever, sendo o produto obtido, em geral, de melhor qualidade, em confronto com a maioria dos vinagres do comercio.
Neste fabrico utilizam-se os vinhos das borras, que não se possam vender, e que se valorizam assim. A mão de obra exigida é insignificante. Como recipientes empregam-se barris de carvalho ou castanho, cuja capacidade varia com as necessidades de produção. Em regra utiliza-se em barril de 20 a 25 litros, adaptando-se a um dos fundos uma torneira de madeira (fig. 2), e praticando-se um orificio de 0,m04 a 0,m05 de diametro, de fórma a permitir o arejamento do vinho. Fervem-se 3 litros de bom vinagre – a fim de o esterilizar – e deitam-se, ainda quentes, no barril que se rola e bate a fim de o molhar bem; no dia imediato deitam-se no mesmo barril 3 litros de vinagre previamente fervido e 3 litros de vinho. O facto de ferver o vinagre tem por fim evitar que a sementeira do fermento se dê no seio da massa liquida. Como no ar existem sempre em suspensão germens da fermentação acetica bastarão poucos dias para que a sementeira se produza. Coloca-se o barril assim preparado num local temperado e tenha-se cuidado em o não mexer para não deslocar o veu. Não se deve colocá-lo numa adega, pois que, para os vinhos sãos constitui um sério perigo a sua proximidade.
Passados oito dias, juntam-se 2 a 3 litros de vinho, servindo-nos para isso dum funil com tubo comprido, para que o liquido não arraste o «veu micodermico» para o fundo, e assim na semana seguinte e sucessivamente até se encherem ¾ do barril.
Se a fermentação acetica se der regularmente (o que se verifica introduzindo pelo orificio do batoque uma vara de madeira clara, que se retira em seguida; se a escuma que vem aderente á vara fôr cinzenta ou branca, a fermentação, dá-se regularmente; se a escuma fôr vermelha é preciso juntar vinagre ou elevar a temperatura), podem extrair-se pela torneira 2 a 3 litros de vinagre todos os quinze dias, volume este que é substituido por igual de vinho que se introduz fazendo-o seguir, cautelosamente, ao longo de uma vara que se mete pelo orificio do batoque, a fim de não submergir o veu micodermico.
No verão, a produção de vinagre é mais abundante e poder-se-á tirar este liquido mais frequentemente pela torneira. No inverno convirá não tirar mais que uma vez por mês. O vinagre retirado se não fôr limpido ou se cóla ou se filtra e guarda-se em garrafas, ganhando muito em qualidade pelo envelhecimento.
[NOTA - contém duas ilustrações]