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Texto da entrada (ID.2751)

CRONICAS MEDICAS

Da maneira de comer

Os doentes não fazem «bicha» á porta dos medicos especializados no tratamento das doenças do tubo digestivo porque estas, na sua maior parte, entram no quadro patologico para que são habeis os medicos que exercem clinica geral. Mas são raras as pessoas que, de certa idade em diante, não têm queixado do estomago, ou dos intestinos, ou do figado… Nem podia ser de outro modo, visto que quotidianamente estamos traumatizando os nossos orgãos digestivos, desprezando nessa parte as regras mais elementares da higiene.

Começa pela mastigação: o habito de comer com demasiada pressa, adquirido frequentemente na mocidade por defeito do vivo apetite que quere rapidamente saciar-se, confirmado depois pela urgencia de trabalhos nos periodos de maior actividade, esse habito é altamente prejudicial. A deficiencia de mastigação traz consigo a deficiencia de saciação. Por um lado, os alimentos que passam para o estomago em grandes pedaços dão a este maior canseira em reduzi-los áquela forma quasi liquida que tomam antes da sua passagem ao intestino. A digestão que se faz no estomago é mais demorada. Por outro lado, os amidos, que são as materias alimentares preponderantes no pão, batatas, etc., não sendo suficientemente impregnados de saliva, passam para o intestino, pela sua maior parte, sem terem sofrido a digestão conveniente por acção do fermento salivar. Maior trabalho digestivo, portanto, para o intestino.

Outra questão importante é a das bebidas na ocasião das refeições: ha doentes a quem a sua dispepsia não consente que bebam durante a refeição, porque não convém que diluam o seu suco gastrico já fracamente digestivo. Mas quem não é dispeptico pode e deve beber, seja vinho fraco, ou cerveja, ou agua.

Sucede, porém, que ha quem beba como se o ventre lhe fôsse um tonel. Abstraiamos do alcool que a bebida possa conter, para só termos em consideração o seu volume. Esse demasiado volume produz, com a confirmação da errada pratica, dilatações do estomago, origem certa de padecimentos futuros.

Três decilitros de liquido, a meia garrafa para falar em linguagem de restaurante, constituem bebida bastante para acompanhar uma refeição. Deve tomar-se aos poucos, lentamente, para não dilatar o estomago e para não diluir demasiadamente o suco gastrico.

O liquido que se bebe, e do mesmo modo as comidas, não devem ser nem muito quentes nem muito frias, pois tanto de um como de outro modo se irrita a mucosa do estomago. Os alimentos quentes, mas não demasiadamente quentes, são mais digeriveis; e tem-se como dotado de propriedades digestivas um pouco de café, no fim das refeições, á temperatura de 38 ou 40 graus.

Á pressa de mastigar junta-se a pressa de deixar a mesa, quer seja para correr a trabalhos, quer seja para não faltar a divertimentos. Pois é muito mal tanta pressa. Diziam os antigos que se devia ficar ainda durante algum tempo a fazer quilo. (Quilo é o conjunto de alimentos já modificados, quando no intestino delgado). E muito anteriormente preceituava a escola de Salerno: «Post prandium sta», isto é, deixa-te estar quieto depois de teres comido. Nada melhor, efectivamente, do que algum tempo de repouso, sem a sonolencia que traz uma refeição demasiadamente pesada, as sem perturbar a digestão por trabalhos e fadigas imediatas.

Ha ainda que atender ás horas das refeições, que não devem variar de dia para dia porque os nossos orgãos digestivos tambem tomam habitos que convém respeitar. As horas das refeições variam muito em Portugal, conforme as classes sociais, e nem sempre os habitos dos que é costume chamar mais elevados são mais bem escolhidos atendendo aos preceitos duma boa higiene.

O pequeno almoço da chaveninha de café com leite, e grande almoço, em geral demasiadamente rico, pela uma hora da tarde, quando se trabalha a valer no intervalo entre as duas refeições, não é pratica de aconselhar. Esse primeiro almoço deve ser mais substancial, á maneira inglesa, para que o organismo receba logo de manhã uma certa quantidade de calorias, pois tem que dispender energia logo de seguida. Por outro lado, o segundo almoço não deve ser demasiadamente rico, se é que se deseja continuar trabalhando durante o dia.

Mesmo, quando este repasto não seja muito copioso, haverá lugar a que se tome aquela pequena refeição, o «chá das cinco», duas a três horas antes da hora de jantar.

E agora preguntar-me-á [sic] o leitor se eu como as minhas refeições ás horas e pelo método aqui indicado. Eu não senhor! Porque tenho que dar aulas… porque tenho… Porque vivemos em sociedade, subordinado o trabalho de uns ao trabalho de outros, e na organização dos trabalhos colectivos ninguem tem pensado em questões de higiene.

Ora aí está!

F. MIRA.

(…).

[NOTA - segue-se uma pequena série de respostas a leitores]


Referência bibliográfica

Fernando Mira - "CRONICAS MEDICAS" in Diário de Notícias de 4 de Março de 1925, nº. 21235, p. 3 (c. 1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2751.



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