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Texto da entrada (ID.2760)

CRONICAS MEDICAS

Comer de mais e comer de menos

Não me lembro bem se era Spencer quem afirmava poder cada um regular a sua alimentação pelo proprio apetite. Isto é redondamente falso, com o devido respeito a Spencer, pelo que respeita a qualidade de comidas, e nem sempre é verdadeiro em relação á sua quantidade. Ha pessoas de apetite debil que precisam de ingerir mais copiosa alimentação do que a apetecida; ha principalmente pessoas que não sentem nitidamente a satisfação gastrica… não sei se me explico bem: pessoas para as quais, entre o momento de poderem terminar a sua refeição que e suficiente para as suas necessidades organicas e o de terem de terminá-la por se sentirem repletos, ha capacidade de ingerir uma quantidade consideravel de substancias almenticias.

Em questões de quantidade de alimentação, como em tudo, o bom processo está em seguir o meio termo. Mas isso é tanto mais dificil para nós, adultos, quanto maiores foram os erros com que fomos criados. Ha, infelizmente, por esse país fóra, numerosas familias pobres cuja alimentação é deficiente, e ha tambem familias que vivem desafogadamente e que, com extremos carinhosos, habituam as crianças a alimentação demasiada. Estas continuam na idade adulta o erro com que foram criadas. As primeiras, quando as circunstancias por acaso mudam permitindo-lhes maior desafogo, entram tambem a comer de mais, por um natural espirito de desforra da penuria anterior. Em geral, nas classes abastadas come-se de mais, e não se deve ocultar que ha familias onde se come de menos, o que tudo é mau para a saude, além de não ser justo.

Vejamos agora as consequencias:

Quem come de mais por uma ou outra vez, tem a sua indigestão. Trata-se, e o primeiro e natural tratamento é a abstenção ou quasi abstenção de alimentos durante algumas horas, com o que tudo volta ao estado normal. Se, porém, esses excessos são repetidos ou se vão fazendo gradualmente, aparecem então as dilatações de estomago, dispepsias, inflamações do tubo digestivo, congestões do figado, perturbações nervosas, obesidade, diabetes, gota, doenças de rins… O leitor facilmente acreditará na realidade desta enfiada de males a que está sujeito um comilão, se pensar que:

É natural que as paredes do estomago, demasiadamente dilatadas a cada refeição demasiadamente abundante, sofram na sua tonicidade e não voltem, passadas as refeições, ao seu estado anterior e normal. Eis a dilatação do estomago. Tambem, como a dose exagerada de alimentos carece, para ser digerida, de uma exagerada dose de liquidos digestivos, chega-se a ponto em que as glandulas se negam a produzir estes em quantidade suficiente, ficando, portanto, alimentos por digerir, o que constitui a dispepsia, e trazendo concomitantemente inflamações do tubo digestivo.

Todo este demasiado trabalho faz afluir sangue ao intestino, e tambem do intestino sai pelas veias maior porção de sangue extremamente carregado de substancias alimenticias, o qual se reune num vaso sanguineo, chamado a veia porta, que vai distribuir-se no figado. Ora, conhecidas as ligações que existem entre o nosso aparelho digestivo e os centros nervosos, todo este mal estar dos intestinos se reflecte no cerebro e outros orgãos, dando origem a perturbações nervosas.

Enquanto pode, o nosso organismo vai armazenando aqueles alimentos que lhe são dados em quantidade que excede o seu consumo, tranaformando-os em gorduras. Aparece a obesidade. Mas chega a ponto em que perde o poder de realizar certas transformações: Em certos casos torna-se-lhe impossivel utilizar, no todo ou em parte, os amidos da alimentação, e constitui-se uma diabetes. Em outros, o defeito aparece relativamente a outras substancias, e é a gota, chamada doença dos ricos, que apoquenta o comilão. E em qualquer caso, como a uma demasiada absorpção de alimentos corresponde uma demasiada excreção de substancias que o organismo precisa de expelir para se não intoxicar, sujeitam-se os rins a excessivo trabalho, o que facilmente explica o aparecimento de perturbações na função daqueles orgãos.

Mas a alimentação insuficiente não é menos nociva. Nas crianças, ela traz como consequencia o atrazo de crescimento, debilidade muscular, em geral, e isto tambem para adultos, falta de resistencia contra as infecções. Estes enfraquecidos constituem o terreno mais apropriado para o desenvolvimento da infecção tuberculosa.

F. MIRA.

(…).

[NOTA - segue-se uma pequena série de respostas a leitores]


Referência bibliográfica

Fernando Mira - "CRONICAS MEDICAS" in Diário de Notícias de 20 de Março de 1925, nº. 21251, p. 4 (c. 3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2760.



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