A TUBERCULOSE e a sanocrisina
A notavel influencia do novo medicamento na cura da terrivel doença nos animais
Os dois ilustres facultativos portugueses que, nos começos do mês findo, foram em missão oficial á Dinamarca, observar de perto e conscientemente o tratamento da tuberculose pela «sanocrisina», segundo os processos do sabio professor Moellgaard, não dão entrevista sobre o assunto. Alguns colegas nossos esbarraram numa concisa recusa do ilustre professor Pulido Valente, ha dias chegado desse calmo pais do norte. Em parte, é compreensivel tal recusa. Os medicos só fazem afirmações na devida altura. E fazem-nas em comunicações scientificas, depois de muito estudo, muita prova, muito labor. Mas os jornalistas é que assim o não entendem porque a esperança dos enfermos agita-se, cheia de curiosidade insatisfeita. O publico não suporta os misterios. Pretende esclarecimentos. Vive de esperanças, mas requere a todo o momento certeza.
Dai uma nova tentativa nossa, em missão ingrata, mas necessaria. Sabiamos que o sr. dr. Anciães, assistente do sr. dr. Pulido Valente, e que o acompanhou á Dinamarca, devia ir ontem, pela tarde, ao Instituto Pasteur. Para ali fomos. Ali o aguardamos estoicamente. Foi passando o tempo. O medico ilustre – talvez porque lhe constasse que um jornalista o esperava – não apareceu.
Ora, enquanto esperavamos, fomos conversando com o sr. dr. Gualdino de Brito Vasques, primeiro e distinto assistente da clinica de doenças contagiosas da Escola de Medicina Veterinaria. Falou-se naturalmente de tuberculose. E porque o mal nefasto ganha tambem os pobres pulmões dos animalejos, e entre eles faz grande copia de vitimas, o sr. dr. Brito Vasques diz-nos da cruzada em que actualmente se empenham os veterinarios do país para combater essa negregada enfermidade nos gados, sobretudo nas vacas turinas. Fala-se de currais, de pastos, de leite. A prelecção despretenciosa que nos está sendo feita vai-nos ganhando a atenção, abrindo o interesse. E porque os problemas que se prendem com vida ou morte sempre têm actualidade, damos por bem empregada a espera e desviamos apenas o sentido da reportagem. Focamos para entrevistar um medico eminente, sobre a «Sanocrisina» e a sua benefica influencia no tuberculizado corpo dos homens. Quedamo-nos a ouvir, com muito agrado, a palavra dum ilustre veterinario sobre os desgastes do mal nos orgãos respiratorios das vitelas e das vacas mansas. O motivo da conversa é o mesmo. As vitimas é que são diferentes, mas igualadas em desgraça e em sofrimento. São tudo animais que sofrem e morrem, afinal.
Mas não tomamos nota. Ouvimos. O sr. dr. Brito Vasques vai falando sempre. Mal sabe ele que está sendo surrateiramente entrevistado.
- A Sociedade Portuguesa de Medicina Veterinaria resolveu que o regulamento de policia sanitaria dos animais fosse actualizado. Faço parte da comissão encarregada desses trabalhos, de que são membros tambem o professor Paula Nogueira, colaborador do «Diario de Noticias» e o dr. Teixeira de Lencastre.
Não estava em termos esse regulamento?
- Não. É que por exemplo, na ocasião em que foi publicado, os processos então usados para se diagnosticar a tuberculose nas vacas turinas eram muito faliveis. Muitos dos casos de tuberculose «fechada» – isto é, a doença no seu estado de incubação, e não definida claramente – não se reconheciam com facilidade. Não bastava a auscultação, exames detalhados do animal. E muitas vezes, os veterinarios tinham um certo escrupulo em se pronunciarem, quando não completamente convencidos…
Porquê?
- Porque o regulamento impunha a ocisão do animal, desde que fosse declarado tuberculoso. E porque o seu proprietario, a não ser em caso de erro de diagnostico, nunca recebia indemnização alguma pela perda do animal, como acontece nos regulamentos similares da maior parte dos paises, havia muito cuidado em se pronunciar, sem uma firme convicção. Depois, e tambem, ainda quando a tuberculose era evidente, os proprietarios dos animais, que os exploravam para fins industriais ou agricolas, sonegavam-nos á observação, á fiscalização veterinaria. Ora, é precizo [sic] actualizar e normalizar tudo isto. É esse o trabalho que estamos fazendo.
- Hoje em dia, pode combater-se a tuberculose nos animais?
- Sim, senhor. Por meio de uma simples reacção feita com a «tuberculina». Mas, por outra parte, está comprovado tambem que as vacas turinas, quando sofrendo de tuberculose «fechada», não devem ser mortas, mas sim submetidas a tratamento. Acresce ainda que o leite dessas vacas pode até ser aproveitado, sendo, contudo, sempre conveniente, fervido. O leite de vaca deve ser sempre fervido, afinal.
- É muito grande a percentagem de vacas turinas tuberculosas nos nosso país?
- Bastante, sim. Uns explicam esse facto, pelas condições higienicas dos currais, pela intensidade da sua exploração como fornecedoras de leite, pela mal cuidada alimentação, por vezes… Mas é preciso ver tambem que não é muito inferior a percentagem de dentes, nas que vivem na leziria, respoirando á vontade o bom ar do campo, alimentando-se á larga. No fundo, tal como na humanidade, onde a tuberculose não bate apenas á porta dos casebres dos pobres, mas se vai instalar tambem nos solares e nos palacios dos ricos e grandes da terra.
- Tratam-se hoje, facilmente com resultados apreciaveis, os animais doentes de tisica, não é verdade?
- Mas sem duvida alguma. Segundo as informações que tenho, o processo da sinocrisina [sic], de que desconheço os resultados praticos na sua aplicação aos doentes-homens, deu na Dinamarca, e na Alemanha, onde se fizeram experiencias muito serias com vitelas tuberculizadas, resultados insofismaveis. No primeiro desses países, de 300 vitelas propositadamente inoculadas com o bacilo, para a experiencia, todas, quando a tuberculose se manifestou em formas de muita gravidade, foram completamente curadas por esse processo. Já vê portanto…
E na legitima ambição de ver constatados em Portugal, os triunfos scientificos do novo medicamento, na sua clinica de sciencias de animais enfermos, reate:
- …Que mais tarde, ou mais cedo, temos que repetir essa experiencia nos gados portuguêses. E então, podemos ter toda a esperança de que, a confirmarem-se os resultados obtidos na Dinamarca, o problema do leite puro, um dos nossos principais alimentos, está se não resolvido, pelo menos fundamentalmente assegurado.
O problema do leite! Sem querer, e porque a proposito vinha, passou na conversa os leiteiros de Lisboa, baptizadores do liquido apreciavel, com essas jarra de folha misteriosas, fornecendo aos domicilios, aos hospitais essa luxuosa mixordia, que três quartas partes da cidade bebem por aí como se fora leite do melhor. Meia duzia de fiscais, penalidades comesinhas, multas que não desbancam os lucros dos vendedores e intermediarios, campanhas irrisorias e estereis de medicos e jornalistas! Dissemos:
- Quer-nos parecer que nem assim. Em Lisboa, mesmo que não houvesse vacas tuberculosas nos currais do país, o leite seria sempre mau…
O dr. Brito Vasques vem contra o nosso pessimismo, com uma observação exacta:
- Pugnem os senhores jornalistas por que assim não seja. Insistam, lembrem constantemente ás entidades oficiais, que no assunto superintendem, que proibam a venda do leite desnatado. Desde que tal seja decretado…
Agradecemos toodos os informes. Despedimo-nos. Tinhamos ido buscar uma entrevista. Realizámos o nosso intento.
Mal sabia o dr. Brito Vasques, que havia sido entrevistado.
[NOTA - Na edição n.º 21268 do Diário de Notícias, de 6 de Abril (p. 1, c. 5), foi publicada uma errata à presente entrevista:
"A tuberculose e a Sanocrisina
A entrevista que ontem publicámos com o sr. dr. Brito Vasques, ilustre primeiro assistente da clinica de doenças contagiosas da Escola de Medicina Veterinaria, subordinada a este mesmo titulo, saiu inexplicavelmente cheia de incorrecções graficas.
Nela se chama por exemplo ao leite de Lisboa, em devida altura, «luxuosa mixordia» em vez de «sordida mixordia».
E muitas mais, assim. Mas, no corpo da entrevista, ha uma parte que desejamos corrigir, pois envolve materia errada sem proposito, mas que encerra um disparate, de que não é responsavel o nosso ilustre entrevistado. É quando se diz:
- Hoje em dia pode combater-se a tuberculose nos animais?
E o sr. dr. Brito Vasques responde:
- Sim senhor. Por meio duma simples reacção de tuberculina, etc.
A resposta está exacta. A pregunta [sic] é que foi formulada e escrita desta maneira:
- E hoje em dia pode reconhecer-se a tuberculose nos animais?
Fazemos esta devida correcção, espontaneamente, antes que ao nosso encontro venha o sr. dr. Brito Vasques, pelo merecido conceito que temos pela sua inteligencia, certamente ofendida com o dislate publicado, e pelo qual lhe pedimos muita desculpa."]