Tuberculose em Portugal
A notavel conferencia do dr. Lopo de Carvalho no Ateneu Comercial do Porto
PORTO, 2. – Na enorme sala nobre do Ateneu Comercial, realizou hoje a sau [sic] anunciada conferencia sobre «A tuberculose em Portugal», o sr. dr. Lopo de Carvalho, a quem o presidente do Ateneu, depois de fazer o seu justo elogio, concedeu a palavra.
O orador, depois de agradecer a honra do convite que recebera e as palavras com que fôra apresentado, disse que a sociedade humana como um grande organismo está sujeita a doenças agudas e esporadicas que se desvanecem e atenuam e a molestias cronicas e arrastadas, que a arruinam e aniquilam. São as primeiras a cólera, a peste e a gripe, e as segundas o cancro, a sifilis e a tuberculose, que invadem o organismo lenta e progressivamente e vão, a pouco e pouco, destruindo os seus elementos mais nobres e mais activos.
Mostrou depois a marcha ascendente da tuberculose e indices da tuberculosidade nos ultimos anos, entre os limites extremos de 382,5 em 1913 e 491 em 1920. E apontando as cifras das principais cidades da Europa e da America, mostrou que a tuberculose é considerada hoje como o mais perigoso flagelo da humanidade.
Seguidamente, como meios de se combater o mal, preconisou o mesmo regime higieno-dietetico tanto para o agrupamento social infectado como para os individuos tocados pela tuberculose.
Os sanatorios e os hospitais-sanatorios
Referiu-se tambem á boa alimentação e ás relações entre o preço do trigo e a taxa obituaria pela tisica; apreciou a influencia benefica da higiene da habitação e da rua, na morbilidade tuberculosea, comparando, como fez Silva Carvalho, a mortalidade nas diferentes freguesias de Lisboa, no periodo de tempo decorrido entre 1891 e 1903, época em que na capital se construiram muitos bairros novos e em que se destruiram algumas velhas construções, fornecendo-se melhor ar e luz ás respectivas habitações, o que fez diminuir a mortalidade pela tuberculose.
Falou detalhadamente dos sanatorios para tuberculosos. Mostrou as suas vantagens e alguns dos seus inconvenientes, e considerou o sanatorio como necessario em todo o programa da luta contra a tuberculose, frisando, no entanto, que a força da sua acção utilitaria tem de ser delimitada.
O sanatorio, disse, é, sobretudo, um poderoso meio de profilaxia pela reclusão dos doentes baciliferos, propagadores do mal. É uma escola de educação e um exemplo vivo de que a tuberculose é curavel, quando o organismo é surpreendido no limiar da doença, no periodo da infecção discreta e limitada. É, porém, absolutamente inutil quando o estado consuntivo se instalou, com todos os seus sintomas, isto é, quando o tuberculoso passou do estado primordial da infecção para a situação de tisico avançado. A acção do Sanatorio como meio terapeutico é então nula e como prova da curabilidade da doença até contraproducente, além da influencia moral e de desanimo que entre os internados dum mesmo sanatorio provoca um tal companheiro.
Nestes casos de manifesta incurabilidade ficaria, pois, apenas como aproveitavel a acção profilatica da instituição pelo isolamento do doente. Era, todavia, uma medida de profilaxia onerosa que poderia ser até vantajosamente substituida por outra – o Hospital-Sanatorio.
Referiu-se então a estes estabelecimentos, as chamadas «tuberculoseries de Hericourt», que em nada se pareceriam com as gafarias de outros tempos, destinadas aos leprosos. Verdadeiros hospitais constituiriam um centro de selecção de onde fossem joeirados os individuos cujo estado lesional fôsse susceptivel de cicatrização e aos quais estivesse indicado o internamento num sanatorio. Desta fórma praticar-se-ia uma medida de profilaxia menos onerosa ao lado dum tratamento que muitas vezes seria ainda proveitoso.
Os dispensarios, as escolas de reeducação, os preventorios e as colonias de ferias
Seguidamente, fazendo notar que as curas obtidas nas diversas estações sanatoriais, não são como a experiencia o tem demonstrado, de grande duração, apontou as razões de tal facto, que tem sempre por base um regresso precóce á mesma vida de excessivo trabalho que presidiu á genese da doença. Daí a necessidade de amparar sempre o doente após o seu tratamento, reeducando-o profissionalmente num outro ramo diverso daquele que lhe trouxe a doença, obtendo-lhe uma colocação compativel com as suas reservas vitais, criando, em suma, as escolas sanitarias de reeducação, as colonias agricolas e indo até á propria edificação de aldeias de tuberculosos, moldadas no tipo Papworth, existente a 15 milhas de Cambridge.
Ocupou-se dos dispensarios, dizendo da fórma como eles devem ser estabelecidos. O «Dispensario anti-tuberculoso» como elemento de luta contra a doença, pouco valor tem, sem o concurso dos sanatorios, hospitais, escolas de reeducação, etc.
O dispensario deve ser apenas um meio de «déspistage» da doença, que indique os que devem ir para o hospital ou para o sanatorio e ser uma instituição que vigie os suspeitos de tuberculose por exames clinicos sucessivos, amparando os debeis e os fracos pela aplicação de medicamentos e pelo conselho de medidas de higiene.
Advogou ainda a necessidade de se proteger os que viverem na vizinhança do agente infectante e outros que serão possivelmente os tuberculosos de amanhã. Aludiu então ás «pouponnières», ás «Gotas de Leite», aos «preventorios», ás «colonias de ferias», etc., chamando a atenção para os jardins-escolas João de Deus. E, como sequencia do problema de assistencia infantil e da protecção ao adulto, lembrou, por ultimo, a regulamentação do trabalho aos menores, a fiscalisação [sic] de oficinas e fabricas sob o ponto de vista de higiene.
O programa da luta contra a tuberculose
Resumindo todas as suas considerações, mostrou finalmente como todas as instituições referidas podem manter entre si uma estreita dependencia e relação, contribuindo duma fórma eficaz e harmonica para a resolução do problema de profilaxia da tuberculose. Estabeleceu, deste modo em linhas gerais, o programa de luta contra a tuberculose a aplicar no nosso país:
Dividir-se-ia Portugal em três zonas: Norte, Central e Sul, separadas pelos dois grandes rios Douro e Tejo, e com as sédes no Porto, Coimbra e Lisboa. Em cada uma destas cidades fundar-se-iam varios dispensarios, um grande Hospital-Sanatorio, e um ou mais preventorios ou outros estabelecimentos de protecção á infancia. Nestas restantes cidades e vilas edificar-se-iam pavilhões ou simples enfermarias anexas aos hospitais já existentes, onde funcionasse uma consulta externa de tuberculosos.
Os estabelecimentos sanatoriais e as colonias agricolas ou oficinas sanitarias seriam edificadas em diversas regiões do país, estudadas antes sob o ponto de vista climaterico e higienico. As suas vagas seriam preenchidas por doentes de qualquer localidade do país, sendo feita a distribuição por um Instituto Central de Profilaxia anti-tuberculosa a criar em Lisboa, ao qual estivessem subordinados todos os dispensarios, hospitais, sanatorios, colonias sanitarias, etc., e que tivesse a seu cargo, não só a fiscalização administrativa sobre todos os estabelecimentos, como tambem os trabalhos estatisticos sobre tuberculose e quaisquer outros estudos de investigação scientifica.
Terminou aludindo ás medidas já adoptadas entre nós. Mostrou como é grande a nossa penuria, não só em face do enorme indice de tuberculosidade de Portugal, como posta em confronto com o que possuem tantos outros países, onde dirigentes e dirigidos colaboram numa estreita solidariedade sanitaria para pôr um dique ao tremendo flagelo social que tão rudemente nos fére e nos dizima.
O trabalho do sr. dr. Lopo de Carvalho, notavel sob todos os pontos de vista, foi premiado pela enorme assistencia que enchia a sala e entre a qual se contavam bastantes senhoras e muitos medicos e professores, com uma enorme ovação.