Considerações sobre a formação do som na laringe
Todos sabem, cantores e não cantores, que a voz resulta do som que é formado na laringe pela vibração das cordas vocais, durante a expiração.
Ninguem ignora tambem que cada voz humana possui um caracter especial de som, que é o timbre, e que é raro, senão impossivel, encontrar duas vozes com o mesmo timbre, porque a «elasticidade, a forma, dimensão e posição reciproca das cavidades ressonantes variam de individuo para individuo».
Depois dos estudos de Helmholtz e de Fourier, reconheceu-se que as cordas vocais postas em vibração pela força do ar expirado dão um som composto, e não um som simples.
Qualquer som que se emite é formado de muitos outros, dos quais, o principal ou fundamental se ouve distintamente, e os outros, ou suplementares, a que Sonky dá o nome de «obertons» harmonicos, passam mais ou menos despercebidos, conforme se fundem no todo ou em parte, não só entre si, como com o som fundamental.
Sem entrar no estudo da vibração dos corpos, cujo principio se adapta ás cavidades ressonantes do nosso aparelho vocal, o que me levaria muito longe, fixemos entretanto que «todas as leis aplicadas aos instrumentos devem igualmente ser adaptadas á voz humana».
Diz-nos Reis Gomes que laringes têm todos os portadores de uma voz normal para falar; mas o que poucos possuem é o restante aparelho fonador em condições de «formar» notas com as qualidades requeridas para o canto.
E assim é. Para se poder cantar é necessario não só possuir uma excelente laringe com boas cordas vocais, mas ainda cavidades ressonantes que lhe estejam proporcionadas.
Um cantor pode possuir esses excelentes orgãos, mas se as outras cavidades ressonantes, especialmente as que estão colocadas acima da laringe, por onde passam as ondas sonoras, na sua expansão, para o exterior, e que servem de tubo condutor, forem más, a voz será igualmente má. Vice-versa: se estas cavidades ressonantes forem boas e más as cordas vocais, a voz será tambem má.
De onde se conclui que as cavidades ressonantes devem estar em perfeita harmonia com a laringe, que é, como já disse, onde se forma o som pela vibração das cordas vocais.
«Se se reunisse, por exemplo, a laringe de um soprano ás cavidades ressonantes de um baixo, obter-se-ia uma voz estranha e anti-musical.
Vem a proposito dizer que a analise feita á laringe de Gayarre pelos medicos laringologistas, mostrou que ela não passava da vulgaridade. O estranho encanto da sua voz era devido sómente á perfeita ligação da laringe com as cavidades ressonantes do seu aparelho fonador, na mais completa harmonia.
Não se deve concluir do que deixo exposto, que as cavidades ressonantes podem acrescentar quaisquer sons ao som fundamental. Não. Elas reforçam apenas os «obertons» harmonicos.
Este estudo, que um professor de canto de nacionalidade russa desenvolve num dos seus livros sobre canto, merece que ainda o volte a tratar.
EMA SANTOS FONSECA.
Ema Santos Fonseca - "Considerações sobre a formação do som na laringe"
in Diário de Notícias
de 19 de Julho de 1925, nº. 21371, p. 7 (c. 2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2835.