CRONICAS MEDICAS
Aprender a falar
Ha cerca de um mês viajei no curto percurso de Vendas Novas ao Barreiro com uma familia composta duma senhora, uma menina de possivelmente 4 anos, um menino ainda de colo e duas criadas. Não sei quem são, mas a senhora a que me refiro revelava nos minimos gestos distinção invulgar e constituia com os seus dois filhinhos um grupo encantador. A linguagem de que se servia era a de uma pessoa ilustrada a quem repugna a menor sombra de afectação; sómente reparei em que, de vez em quando, a meia voz, e em risonha conversa com a menina a que calculei 4 anos, moldava pela pronuncia dela a sua propria, dizendo «xim, axim», etc., por «sim, assim», etc., juntando á ternura do gesto e do timbre da voz mais essa ternura que resulta do modo infantil da expressão.
Enquanto admirava o interessante grupo, não pude deixar de pensar nos inconvenientes de se abandonarem as mães á sedução daquele falar infantil, a ponto de o imitarem. Por essa forma são elas as culpadas das incorrecções de expressão que as crianças adquirem e que, por vezes, levam até idades em que deixam de ser graciosas.
Deve-se falar ás crianças e á vista das crianças em linguagem bem articulada e com termos da maior simplicidade mas sem plebeismos. Assim elas, por imitação, aprenderão sem custo, e os pais verão mais tarde, com justificado orgulho, que os filhos sabem exprimir-se com aquela clareza e elegancia que estão tão distantes da linguagem dos pastores do Marão como da afectação palavrosa que se usa em S. Bento.
É cêrca da idade de um ano que as crianças começam a falar, isto é, a pronunciar as primeiras silabas. Até então o seu balbuciar não é inteligivel. Depois vêm as palavras completas. Depois, cêrca dos 3 anos, a construção das primeiras frases.
Nem todos os sons se exprimem com igual facilidade, e por isso nós vemos que, das vogais, a primeira que as crianças aprendem a dizer é o «a». Das consoantes começam pelo «b» e o «p», as labiais; depois o «m». «Mãe», «Pai» são, pois, palavras entre as primeiras que as crianças têm possibilidade de dizer, pronunciando-as, de principio, «Ma, Pa», que, repetindo a silaba, dão «Mama, Papa».
Como quando se lhes dá um brinquedo novo, as crianças que adquirem a capacidade de pronunciar algumas silabas ou palavras, não descansam de exercer essa capacidade, de brincar com ela, e assim se vão aperfeiçoando. «As crianças, escreveu um tratadista da materia, parecem felizes por poder emitir esses sons; repetem-nos constantemente; habituam a eles os ouvidos, tanto que parecem contentes quando os ouvem a outros.»
Ha crianças em que a capacidade de falar só muito tarde se revela. Chama-se então o medico, que pode encontrar anomalias de qualquer dos orgãos da palavra ou defeito de audição. Pode tambem tratar-se de atrazo no desenvolvimento mental. E ha casos que ficam por explicar.
Nessas crianças em que a emissão de silabas, por qualquer motivo que seja, não começou na idade normal, mais necessario é ainda não imitar o seu falar infantil por gracioso que pareça. Podem estabelecer-se vicios de pronuncia cuja correcção seja, mais tarde, muito demorada e dificil.
F. MIRA
(…).
F. Mira - "CRONICAS MEDICAS"
in Diário de Notícias
de 22 de Julho de 1925, nº. 21374, p. 3 (c. 2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2843.