No ultimos artigo desta secção referimo-nos ao importante problema da fertilização das terras e á extracção do azote atmospherico, como modo pratico e industrial de obviar ao empobrecimento dos terrenos cultivados. O ambito estreito de alguns periodos de vulgarização não nos deixáva espaço para mais largas considerações sobre as descobertas e pesquizas conduzidas no sentido de operar a synthese dos corpos azotados e ácerca das razões pelas quaes esses trabalhos vieram a beneficiar a agricultura. Elles interessam no entanto esta sciencia em tão elevado grau, que não julgamos demasia voltar ao assunto a curto trecho, a fim de completar o que então dissemos e esclarecer quanto possivel a questão da nitrificação. A noticia ficaria incompleta se não aludissemos aos memoraveis estudos de Berthelot, o eminente sabio ha pouco falecido, os quaes trouxeram uma luz intensa sobre essa debatida e interessantissima questão.
A este respeito não podemos fazer melhor do que citar o que delle escreve Jungfieisch, o illustre professor do Collegio de França.
Diz elle, a atenção que Berthelot prestou sempre ás consequencias biologicas das suas descobertas levou-o muitas vezes a encarar as questões de physiologia e consequentemente as questões agricolas. Entregou-se muito a estas ultimas desde 1865.
Entre os problemas de que elle abordára anteriormente a solução, figura a entrada em combinação organica de um elemento por muito tempo julgado inerte – o azote. Realizando a synthese do acido cyanhydrico (prussico) pela união do azote livre com o acetylenio, sob a influencia da faisca electrica, Berthelot havia, pela primeira vez, resolvido o problema, mas em condições muito diversas evidentemente das que a natureza põe em acção. Voltou ao assunto em 1876. Os agronomos e os chimicos não admitiam nesse tempo a fixação do azote atmospherico pelo solo e pelos vegetaes.
Berthelot verificou experimentalmente que o solo nu ou coberto de vegetaes tem a propriedade de fixar o azote livre do ar. Experiencias ulteriores permittiram-lhe desvendar o processo dessa fixação. Observou que, sob a acção do efluvio electrico, certos compostos organicos absorvem o azote e o reteem. Esta observação conduziu-o a investigar se a electricidade silenciosa seria capaz de unir este corpo aos principios immediatos das plantas. Depois de numerosas tentativas, reconheceu que o azote é absorvido pelas plantas vivas em atmosphera limitada e electrizada de um modo especial, isto é, em circumstancias analogas áquellas em que de ordinario se excerce a acção da electricidade atmospherica sobre os vegetaes.
Cavendish estabelecera antes que a influencia electrica sob diversas formas provoca a combinação directa do oxygenio e do azote do ar, formando os compostos oxygenados deste ultimo, os quaes são absorvidos pelo solo, por intermedio da agua. Sabia-se tambem que a mesma combinação é determinada pelas combustões intensas. Os compostos azotados que se originam desta maneira trazem á vegetação quantidades consideraveis do elemento assimilavel.
O celebre chimico francez notou porém que, mesmo avaliando por grosso o effeito da electricidade aerea e as combustões de carvão realisadas no mundo inteiro, o peso total de azote fixado por esse modo está longe de corresponder ás quantidades enormes retidas pela vegetação.
p. 2 Analysando varias amostras de terra expostas ao ar livre e cujo azote organico fora previamente doseado, assim como o amoniacal e o nitrico, verificou passados meses o aumento de azote total. Colocou para esse efeito no chão, no alto de uma torre, ao ar livre e em frascos fechados, as porções de terra, de areia, de argilla, etc., em experiencia.
Esse aumento notado era superior ao que poderia provir da chuva e das poeiras. Fez além d’isso experiencias com as terras esterelizadas a 100º. Estas não revelaram aumento sensivel do peso do azote.
A conclusão impunha-se. É que naquellas porções existiam micro-organismos, á custa do trabalho dos quaes o solo se enriquece de azote tirado da atmosphera. O exame microscopio confirmou este descobrimento, distinguindo varias especies vegetaes inferiores. O engenhoso achado de Berthelot foi pouco depois verificado por Schloesing filho e Laurent, sendo as condições de absorpção e combinação do azote do ar efectuadas em experiencias sobre terrenos apropriados.
Quando a morte veiu finalisar abruptamente a espectitiva em que a sciencia estava deante das curiosas investigações do auctor da Synthese chimica, entregava-se elle com seu filho e seu successor ao estudo dos phenomenos da vegatação e da regeneração da terra.
D’esta maneira pode-se afirmar que, se a moderna industria nitreira se afastou, num legitimo progresso scientifico, da orientação imposta pelo sabio francez, os aturados trabalhos deste, durante mais de 40 annos, não podiam deixar de fornecer á agricultura moderna, que nella se queira inspirar, processos de enriquecimento e renovação dos terrenos, que afastam felizmente as predições do não menos admirado sabio inglês, W. Crookes, as quaes são para a agronomia o que a lei de Malthus tem sido para a economia politica.
J. Bettencourt Ferreira - "Pela sciencia - A fixação do azote do ar pelos vegetaes – As descobertas de Berthelot e o seu aproveitamento pela agricultura – Radio-actividade atmospherica – a existencia de emanações desta natureza no ar e a difusão dos corpos radiferos"
in Diário dos Açores
de 25 de Janeiro de 1909, nº. 5288, p. 1-2 (col. 6; 1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2870.