CRONICAS MEDICAS
Por Madrid
Hei-de um dia explicar ao publico, em escrito de indole diversa relativamente a estas singelas cronicas, a grande descoberta que eu fiz em Madrid e que me deixou tão maravilhado como se eu fôsse um dos antigos navegadores que iam completando ao acaso a geografia do mundo. Descobri eu simplesmente que nada sabia da vida espanhola. Como todo o bom português, filho espiritual da França, o que eu sabia da Espanha vinha-me dos livros franceses; e o francês, que tanto censura o alemão o julgar-se superior a todos, é, para esse efeito, como se, colocado perante um espelho, desenhasse os traços que fielmente o representavam a si proprio e designasse a figura com o nome do seu velho inimigo. Os franceses, em geral, não vêem espanhois ou portugueses, ou que outra gente seja, como atentos observadores. Uma primeira impressão fugidia e o espirito trabalhando sobre ela, eis o que fazem os franceses. Com isto se iludem a si proprios e me têm muitas vezes iludido a mim.
Tudo isto que vou dizendo está bem longe de «Cronica medica». Mas perdôe o leitor que eu abuse ainda da sua benevolencia para me referir ao estupendo calor de Madrid e ao ministro de Portugal na côrte de El-Rei Catolico. Aproximo assuntos tão diferentes porque representam para um português os dois extremos, mau e bom, da vida madrilena. Quanto ao calor de Madrid, ele dura as 24 horas do dia sem linitivo da tarde ou da madrugada, tirando todo o apetite de comer ou de trabalhar. Quanto ao sr. Melo Barreto cumpre-me manifestar, no primeiro escrito que publico depois de deixar Espanha, a minha gratidão por todas as amabilidades e finezas com que me distinguiu. Tive ensejo de verificar que o ministro de Portugal soube adquirir em Madrid uma excepcional situação pessoal e que a põe ao serviço dos seus compatriotas com a amabilidade mais requintada.
Mas vamos á «Cronica» que, já agora, terá de ser curta.
Ha em Madrid uma instituição denominada a «Residencia de estudiantes», onde 125 estudantes de escolas superiores têm quarto, comida, conferencias e laboratorios onde praticam, mediante a modica remuneração de 6 a 8 pesetas diarias.
Muito ha que dizer sobre essa instituição, e di-lo-ei mais tarde ao publico se Deus fôr servido. Neste momento só quero referir-me á comida que ali se dá aos rapazes, visto que ela pode servir de tipo nas casas de familia que pretendam regular-se, neste assunto, pelos preceitos da boa higiene.
Têm então os rapazes:
Primeiro almoço – Café com leite e pão torrado com manteiga.
Almoço – Sopa ou legumes; um prato de ovos; um prato de carne; fruta.
Jantar – Sopa; um prato de peixe; um prato de carne; sobremesa cozinhada; fruta.
Só por prescrição do medico da «Residencia» pode alterar-se este regime. Então a administração decide sobre os honorarios que devem pagar-se por esse serviço especial, e sobre se este é compativel com o regime interior da casa.
Vejo que o leitor está admirado de que eu o importune por coisa tão pouca. É que falta o melhor. No regulamento da «Residencia» diz-se ainda o seguinte:
«São da conta dos residentes os extraordinarios que solicitem e que só podem consistir em leite, ovos e aguas minerais.»
Não sei se repara: os extraordinarios só podem ser leite, ovos, aguas minerais. Nem vinhos, nem cervejas, nem cafés, nem licores, nem quantas bebidas alcoolicas e não alcoolicas os homens inventaram para dano da sua saude.
F. MIRA.
F. Mira - "CRONICAS MEDICAS"
in Diário de Notícias
de 12 de Agosto de 1925, nº. 21395, p. 3 (c. 2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2875.