Excavações
Á busca dum “Homosimius”
Em Ota (Alenquer) foi descoberta uma sepultura com cerca de nove mil anos de existência
Em Ota (Alenquer), região em que o sr. general Carlos Ribeiro descobriu ha muitos anos os famosos silex lascados atribuidos ao hipotético ser da era terciaria, designado por «Homosimius Ribeiroi», encontrou ultimamente o sr. Hipolito da Costa Cabaço, na sua quinta das Lages, alguns restos humanos, que, ao cavar-se uma trincheira, surgiram naqueles terrenos do terciario lacustre.
O facto foi comunicado ao prof. dr. Mendes Corrêa, da Faculdade de Sciencias do Porto, pelo sr. Francisco Raposo Sousa de Alte, do Carregado, e foi aquele professor convidado a superintender na exploração, o que fez, nela colaborando o sr. Cabaço, o assistente da Faculdade de Sciencias do Porto, dr. Santos Junior, e o sr. Romão de Sousa, colector do Serviço Geologico de Portugal. O resultado foi encontrar-se não um esqueleto do celebre «Homosimius» mas uma jazida pre historica da idade da pedra polida, em que o sr. dr. Mendes Corrêa vê certas afinidades com uma época de transição entre o paleolitico e aquela idade designada época tardenoisiense. Apareceram ossos, dentes, silex lascados, alguns dos quais de forma geometrica en um machado de pedra polida. Estes objectos encontravam-se no grés do mioceno lacustre, impregnados de depositos calcareos, a uma profundidade de 6,m60 da superficie actual duma encosta, por certo desgatada pelas aguas.
No estrangeiro tem sido supostos da era terciaria alguns esqueletos, mas quasi todos os autores contestam a exactidão dessa cronologia e tem havido verdadeiras decepções. A prudencia e o escrupulo que presidiram desde o inicio ao reconhecimento do achado recente de Ota, evitaram mais uma dessas decepções. Nem por isso a descoberta deixa de ser importante.
O espolio obtido foi transportado para o Instituto de Antropologia da Universidade do Porto, onde o seu estudo detalhado será feito pelo sr. prof. Mendes Correia [sic], que com os seus companheiros recolheu no terciario de Ota varios silex e quartzites lascados, do genero dos encontrados por Carlos Ribeiro e Delgado.
Falando com o ilustre prof. dr. Mendes Correia
Estão na ordem do dia as questões antropologicas e arqueologicas.
Na America do Norte estabeleceu-se ha pouco acesa discussão sobre o darwismo [sic] e foi condenado nos tribunais um professor que o ensinava. Em todo o mundo culto o caso despertou viva controversia, como era natural.
Não é dificil imaginar, portanto, o palpitante interesse com que, tendo aparecido alguns ossos, dentes e silex lascados, em terrenos terciarios da Quinta das Lages, nos arredores de Ota (Alenquer), quando se procedia á abertura de uma trincheira, muitas pessoas seguiram as pesquisas metodicas que foram feitas alguns dias depois.
Logo circulou que se trataria do famoso e conjectural «Homosimius Ribeiroi», ao qual foram atribuidos por Mortillet os silex encontrados ha mais de cincoenta anos por Carlos Ribeiro naquela mesma região.
Sabendo que essas pesquizas [sic] foram feitas sob a direcção do professor da Universidade do Porto, sr. dr. Mendes Correia, resolvemos procura-lo para nos dar as suas impressões.
- Foi o proprietario da quinta das Lages, o sr. Hipolito da Costa Cabaço, começa o sr. professor Mendes Corrêa, quem deu conta dos primeiros achados e logo inteligentemente mandou suspender os trabalhos de escavação que se estavam fazendo para alargamento dum caminho. De acôrdo com ele, outro distinto amador de assuntos arqueológicos, o proprietario no Carregado, sr. Francisco Raposo Souza d’Alte, escreveu-me, comunicando-me o facto, enviando-me aqueles achados e convidando-me a ir ao local proceder a uma exploração metódica.
- E v. ex.ª foi?
Sem duvida. Apesar das minhas reservas sobre a idade terciaria da descoberta, não me parecia que havia motivo para pôr-se de parte uma exploração. O scepticismo sistematico não é scientifico. E a prova de que fiz bem em aceitar o obsequioso convite, está em que, se não se encontrou o duvidoso «Homosimius» de Carlos Ribeiro, se pôs entretanto a descoberto uma interessante jazida do neolítico antigo, ou seja duma fase muito remota da idade da pedra polida.
- A quantos anos remontará?
- Em preistoria [sic] não podem fazer-se com segurança computos cronologicos dessa ordem. Sabemos apenas que a idade do cobre, que sucedeu ao neolítico, é talvez anterior, no ocidente da Europa, a 2.500 anos antes de Cristo. O neolítico inicial será portanto muito anterior. O sábio professor Boule data-o recentemente de 7.500 antes de Cristo. Se assim fosse, os ultimos achados d’Ota poderiam ter uns 8 a 9 mil anos. Mas isto não é nada seguro. O que foi que se descobriu na exploração realizada?
- A exploração foi feita sob a minha superintendencia, com a cooperação dedicada dos srs[.] Cabaço, dr. Santos Junior, assistente do Instituto da minha direcção, e Romão de Sousa, colector do Serviço Geologico de Portugal e velho companheiro e colaborador de Carlos Ribeiro, Nery Delgado e Choffat nas suas investigações.
«A uma profundidade inferior a 1m, no grés do mioceno lacustre, entre impregnações calcáreas, acharam-se varios fragmentos de ossos humanos, muitos dentes, uns pequenos silex de forma trapezoidal e um machado polido. Aqueles silex têm afinidades com outros achados em certas estações pre-neolíticas, muito mais antigas, mas o machado polido, que foi encontrado pelo sr. dr. Santos Junior, tirou todas as duvidas.
«Estes documentos foram transportados para o Instituto de Antropologia da Universidade do Porto, onde vou estuda-los com vagar.
- Já se tinha encontrado alguma cousa de semelhante no nosso país?
- Já. Creio, por exemplo, que ha semelhanças entre esta estação e a da Varzea do Lirio, dos arredores da Figueira, explorada ha muito por Santos Rocha. E ha muitas outras, de maior antiguidade. O que tornou esta particularmente interessante foi o ter permitido pensar no celebre «Homosimius» de Ota. Mostrou-se a vantagem duma exploração metodica. Se esta não tivesse sido conscienciosa, quem sabe se em breve os tratados não se refeririam a mais um pretenso esqueleto humano da era terciaria, como muitos outros perante os quais todas as reservas são poucas.
«Quando parti para Alenquer já não tinha hesitações. A existencia de silex de forma diversa dos encontrados em Ota por Carlos Ribeiro e Nery Delgado, e a analise quimica dos ossos, feita, a meu pedido, pelo meu ilustre colega prof. Pereira Delgado, aconselhavam essa atitude. Os ossos, embora friaveis e incorporados no terreno, tinham ainda uns 18 a 20 por cento de materia organica, menos do que os frescos que têm a 40 por cento, mas por certo mais do que era natural em ossos fossilizados. A profundidade era pequena. Mas, no local, lembrando[-]me de que a erosão podia ter feito baixar a superficie da encosta, cheguei, sem abandonar entretanto a minha atitude de reserva, a acariciar uma esperança…
«Não se encontrou ainda desta feita o homem terciario, se bem que de trincheiras recentemente abertas nos arredores de Ota tenhamos destacado e trazido para a Universidade do Porto alguns silex e quartzites analogos aos que foram descobertos na região por Carlos Ribeiro e Nery Delgado e atribuidos ao duvidoso «Homosimius Ribeiroi». Não se perdeu o tempo.
- Ficará para outra vez a ambicionada descoberta?
- O sr. Hipolito Cabaço garantiu ao dr. Santos Junior que não esmorecerá nas suas pesquizas. Tanto ele como o seu amigo do Carregado, sr. Francisco Raposo, são duma dedicação admiravel por estes assuntos. Vão enviar para o Instituto de Antropologia, para eu os estudar, muitos ossos preistoricos que têm des- [sic] descoberto nas cavernas da região. Tive grande prazer em os conhecer e estou muito penhorado pela hospitalidade que me dispensaram.
Que pena não haver por esse país muitos investigadores assim!
[NOTA - Contém uma fotografia do Dr. Mendes Correia]