É sabida a sensacional conquista do polo sul realisada pelo intrepido official Shackelton que chegou a 25 leguas do ponto mathematico por onde passa o eixo á roda do qual a terra executa a sua rotação quotidiana.
Uma revista geographica, occupando-se d’essa viagem levada a cabo com tão feliz exito, insiste n’um detalhe que é effectivamente importantissimo e a que os jornaes francezes dedicam curiosos artigos, pois que o problema é dos mais interessantes como interessantes são tambem as affirmações e descobertas que n’elles se conteem.
O illustre explorador disse que nas extremas regiões boreaes encontrou uma cadeia de montanhas cuja altura calcula em muitos milhares de metros acima do nivel do mar, sendo o polo sul o centro de um plateau de tres a quatro mil metros de altitude.
Este detalhe da viagem é que a alludida revista particularmente cita, pelas modificações que vae introduzir na sciencia geographica, dando razão aos adeptos da escola de Lowthian Green, que sustenta que a terra não é espherica mas sim em forma de pêra.
Segundo o parecer d’aquelle illustre sabio, a terra affecta a forma d’um tetaedro, isto é, um solido comprehendido sob quatro faces triangulares: uma pyramide, portanto, cujo triangulo representa a base, e os tres restantes angulos ou flancos. O triangulo basico, o polo norte, occupando o centro. A America, a Europa e a Asia compondo as tres faces lateraes. Estendidas largamente para o norte, essas massas continentaes, estreitando-se, terminarão em ponta nas extremidades do polo sul, considerando-se, n’esta hypothese, a Australia como uma dependencia do continente asiatico.
Temos, pois, tres faces terrestres, triangulares, considerando-as separadamente, observa-se que todas ellas apresentam um engrossamento central produzido pelas cadeias de montanhas que as atravessam de norte a sul. Os macissos dos Alpes na Europa, no Hymalaia, na Asia, e dos Andes, na America, constituirão os tres cimos da base da pyramide. E como os lados d’essa pyramide são conexos, a massa total tomará a forma d’uma pera achatada nos trez lados. Os continentes não estarão situados exactamente de norte a sul, mas ao contrario, torcidos à p. 2 volta da linha dos polos. Considerando que a terra gira sobre si mesma, á roda d’esse eixo, no sentido contario dos ponteiros d’um relogio, reconhecer-se-á que os pontos continentaes da Terra do Fogo, do Cabo da Boa Esperança e do Cabo sul da Terra Van Diemen, avançam todos para Este em comparação das bases continentaes de que dependem. Em resumo, as tres sinuosidades torcidas no sentido directo do turbilhão que arrasta a terra, constituem a figura dos trez continentes.
Segundo o parecer dos illustres mathematicos Poincaré e Henry, a terra foi formada por um projectil allongado, um tubo-turbilhão, que, encontrando sob um angulo de 24 graus o plano da ecliptica, ahi parou e se condensou. Desde então a sua forma, como a de todo o projectil plastico, quando ainda estava molle, augmentou de volume sob a latitude de 65º ao norte, rebaixou dos lados, como se vê nos oceanos do hemisferio sul e alteiou-se nas massas continentaes d’esse mesmo polo. Seguidamente – dizem ainda os mesmos sabios – na serie das edades a parte norte do turbilhão devia ser a primeira a perder a sua rotação visto ter sido ella que recebeu com mais violencia a repercussão do choque sobre o plano da ecliptica. D’este modo a materia “devia” condensar-se rapidamente para o norte, onde os elementos solidos são mais numerosos, emquanto que a parte sul do turbilhão se conservaria em estado gazozo, os elementos liquidos dotados d’uma rotação tanto mais rapida quanto o choque sobre a ecliptica suspeitasse mais integralmente a sua velociade primitiva á volta do eixo do tubo turbilhão.
Convem notar que o planeta Marte e a Lua aproveitam a mesma dyssemetria dos seus dois hemisferios, na dimensão dos seus continentes e dos seus mares. Assim, as mesmas causas originaes applicadas a mundo differentes do nosso, mas de formação analoga, produziram identicos effeitos.
A theoria de Green explica e esclarece outros phenomenos que, durante muito tempo, se conservaram envoltos em denso mysterio. A viagem de Schakelton ha-de contribuir efficazmente para se apurar muita coisa que pertence ainda ao dominio das conjecturas, e, sobretudo, contribuir para se apurar se effectivamente a terra affecta a forma d’uma pera, como do que deixamos dito parece demonstrar-se. Se assim é, toda a astronomia vae soffrer uma grande modificação. O que disseram Newton e Laplace e tantos outros, como estes, illustres, terá de ser alterado em vista dos resultados d’esta viagem admiravel, que tão justamente está interessando a sciencia geographica.
Schakleton é esperado, em Londres, afim de alli realisar uma conferencia. Vamos a ver o que diz o audaz e afortunado explorador do polo sul.
[n.d.] - "Qual é a forma da terra? - Controversia de sabios – A terra não é espherica, tem a fórma de pêra, é uma pyramide com faces triangulares – Uma expedição ao polo sul – Como se formou a terra segundo dizem os mathematicos Poincaré e Henry – Um interessante problema scientifico"
in Diário dos Açores
de 24 de Julho de 1909, nº. 5427, p. 1 (col. 6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=3031.