Texto da entrada (ID.3122)
O nosso planeta tem-se mostrado nos ultimos annos demasiadamente irrequieto. As catastrophes do Vesuvio, de S. Francisco da California, de Valparaiso, e ultimamente ainda as do Mexico, succederam-se com tão desusada frequencia que quasi parece que o solo deixou de nos offerecer condições de estabilidade e segurança.
(...) elles não passam, sob o ponto de vista geologico, de insignificantes movimentos, ligeiros tremores da epiderme do globo. Quasi não ha dia ou hora em que a terra não seja agitada n’um ou n’outro ponto. O relevo das montanhas e a configuração das costas modifica-se constantemente, quer d’um modo lento, e, por assim dizer, insensivel, como nos grandes massiços do Canadá e da Noruega e ainda na Holanda, cujo territorio continua a baixar, quer por abalos bruscos e sacudidos em regiões perfeitamente caracterisadas, que nem sempre coincidem com as zonas em que domina o vulcanismo.
A Suissa, por exemplo, em cujos terrenos se não encontra o mais pequeno bocado de rochas vulcanicas e que está longe de qualquer centro vulcanico em actividade, é uma região muito castigada dos tremores de terra, alguns dos quaes teem assumido as proporções de terriveis catastrophes humanas (1356, 1755, 1855).
A sciencia, não podendo ainda explicar, d’um modo positivo, as causas d’estes phenomenos, pois só ha pouco tempo, relativamente, recolhe elementos de observação conscienciosa, methodica e scientifica, distingue, todavia, duas especies de tremores de terra, os vulcanicos e os não vulcanicos. Uns e outros teem uma origem muito superficial. As curvas de propagação, fornecidas pelos scismographos, denunciam que as ondas vibratorias que, muitas vezes, se transmittem d’um a outro hemispherio, teem o seu ponto de partida a uma distancia da superficie que raras vezes excede a 7 ou 8 kilometros, e nunca a 30. Parece, portanto, que a antiga hypothese do fogo central que pretendia fazer-nos acreditar que o nosso planeta é uma fornalha ardente, liquida e gazosa, coberta por uma delgada crosta sólida, não tem que intervir na explicação do phenomeno, tanto mais que essa hypotheses parece incompativel com o valor do achatamento nos pólos e que o augmento de temperatura que se observa quando se profunda no sólo, perece que não continua além d’uma certa profundidade, 2 a 2,5 kilometros. Além d’isso, se o interior do globo fosse uma enorme massa fluida, difficilmente a delgada crosta resistiria ás marés provocadas pela attracção do sol e da lua, como as que se produzem nas aguas do oceano, ou, pelo menos, deveriamos sentir os seus effeitos duas vezes por dia, ainda quando mais não fosse pelo transbordamento, a horas fixas, de materias igneas das cavidades vulcanicas a que a hypothese considerada distribuia o papel de valvulas de segurança d’aquella caldeira monstra. Não. A temperatura das lavas vulcanicas e das fontes de aguas mineraes não provém do centro da Terra.
Os vulcões têem a sua origem em profundidades relativamente restrictas e são devidos a infiltrações da agua do mar que vae produzir combinações chimicas varias com certas rochas que tende a decompôr. Por isso estas grandes manifestações igneas se dão todas á borda do mar. No interior das terras não ha vulcões, os que ahi se observam extinctos estiveram outr’ora nas condições dos actuaes; ha sim numerosas fontes de aguas mineraes, manifestações mais modestas de infiltrações de aguas em menor escala, as das chuvas atravez dos filões graniticos.
Nas regiões vulcanicas os tremores de terra são pois devidos, segundo parece, á expansão dos gazes provenientes das acções chimicas locaes e dos desmoronamentos internos do sólo que d’ahi resultam.
Mas se o nosso globo não é, como queria a hypothese do fogo central, uma immensa caldeira sob uma fortissima pressão, é licito suppôr, todavia, que o interior do planeta esteja em temperatura muito superior á da agua, a ferver. Com effeito, segundo o que se póde suppor sob o ponto de vista cosmogonico, a Terra foi no seu principio nebulose e sol. A sua temperatura era então elevadissima e, mesmo durante o reino da vida organica, a sua temperatura era ainda tão elevada que excedia em todos os pontos a que resulta do simples aquecimento solar, não havendo climas nem estações. Os fosseis da epocha carbonifera fornecem um testemunho irrecusavel de que n’aquella edade da Terra havia nos pólos a mesma vegetação que no equador, apezar da inclinação do eixo differir muito pouco da de hoje. N’estas condições, é muito provavel que o centro do nosso planeta não seja solido, nem liquido, nem gazoso, mas sim pastoso, até completo resfriamento.
A sua temperatura interior deve ser ainda hoje de alguns mil graus, mas, girando no espaço do meio d’um frio de 270 graus abaixo de zerom e recebendo apenas o calor do sol, o globo continuará a resfriar, condensando-se, contrahindo-se, diminuindo de volume, acompanhando as camadas terrestres exteriores esses movimentos de contracção do nucleo central, e d’ahi rupturas, apertos e deslocamentos n’aquellas camadas. Para o planeta é um incidente natural, quotidiano e insignificante, uma ligeira tremura; para a humanidade é muitas vezes uma enorme catastrophe.
Assim explica a sciencia os tremores de terra não vulcanicos que se dão com mais frequencia nas regiões da crosta mais fraca, perfeitamente determinadas pela geologia.
Outras causas concorrem de certo para esses effeitos, menos importantes que a apontada, mas que nem por isso deixam de fazer sentir a sua influencia, maior ou menor.
Assim as chuvas, infiltrando-se atravez das camadas superficiaes do solo, penetram nas camadas inferiores, formam correntes subterraneas, atacam as rochas, cavam abysmos, combinam-se com os mineraes, chegam a regiões mais quentes, vaporisam se e ahi temos a origem d’um tremor de terra mais ou menos violento. Ajuntemos que o calor solar exerce tambem uma tal ou qual influencia, assim como a attracção do sol e da lua, pois que é muito maior o numero de tremores observados nas conjunções que nas quadraturas, assim como quando a lua está no perigeu do que no apogeu e ainda quando a lua está no meridiano de que quando está no horisonte.
A influencia da pressão atmospherica é tambem innegavel, pois grande numero de phenomenos d’este genero foram precedidos de perturbações atmosphericas anormaes.
(...)
Os tremores de terra manifestam-se de variadissimas formas. Umas vezes é um movimento ondulatorio que agita o solo. Este, parece, n’este caso, um mar em que as arvores e alguns accidentes de terreno se assemelham a navios açoutados pelas vagas. Outras vezes são violentos abalos, de baixo para cima, que, segundo algumas narrações, chegam a projectar a grandes alturas homens, animaes e objectos moveis.
(Jamaica 1692 e Riobamba em 1797)
Tremores tem havido que se manifestam por movimentos de rotação. No tremor de terra de Santo Stephano, em 1782, as diversas partes de duas enormes pyramudes quadrangulares deslocaram-se, girando, sem desabar.
Algumas vezes, ao mesmo tempo que se dá o movimento vibratorio, abrem-se no solo grandes fendas por onde se somem rios e cidades; d’estas fendas algumas fecham-se immediatamente, esmagando tudo o que n’ellas cahiu.
São catastrophes perante as quaes temos que curvar a cabeça, soffrendo lhes resignadamente as terriveis consequencias. A humanidade nada póde contra taes fatalidades, no estado actual da sciencia.
Referência bibliográfica
[n.d.] - "Revista scientifica - Tremores de terra"
in Diário dos Açores
de 29 de Outubro de 1909, nº. 5510, p. 1 (col. 1-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=3122.
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