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Um collaborador de “La Revue” estudou n’esta publicação a possibilidade theorica das communicações entre planetas do systema solar.
Por communicações entende-se o transporte de viajantes terrestres até o solo de outros planetas, isto é, a communicação material e mechanica como a que os caminhos de ferro ou os paquetes estabelecem entre dois pontos do continente ou dois pontos separados pelo oceano. O auctor do estudo, M. A. Le Mée, deixa propositadamente de parte as communicações “telegraphicas” por systema optico, por exemplo, entre a terra e um planeta qualquer, que nada tem de theoricamente impossivel, se esse planeta estiver habitado por entes intelligentes e se os habitantes de um e outro astro chegarem a aperfeiçoar bastante os seus instrumentos de optica para enxergarem os signaes que se fizerem uns aos outros.
As communicações interplanetares devem ser ao duplo ponto de vista: 1ª, da impossibilidade mechanica; 2ª da possibilidade physiologica ou biologica. Sob o ponto de vista da possibilidade mechanica a solução do problema depende em exclusivo da velocidade inicial a imprimir à massa em bloco inerte que se pretende enviar ao outro astro.
É pois theoricamente possivel essa solução, embora com os meios de que dispõe “actualmente o homem” essa velocidade inicial, mesmo para attingir um planeta tão proximo como é a Lua, não seja praticamente realisavel.
Examinemos agora com M.A. Le Mée a parte physiologica da questão, isto é, se a vida de um ente humano, que emprehendesse tal viagem, poderia continuar: 1º durante o trajecto; 2º, no solo do planeta a que houvesse sido transportado.
“O primeiro ponto, escreve M. Mée, é difficil de resolver, porque depende antes de tudo, do modo de locomoção adoptado, e seria pretencioso fixar hoje qual seria esse meio, se n’uma época remota se chegar a resolver esse importante problema. Tentemos, porém, para evitar essa lacuna da nossa demonstração, o exame dos meios rudimentares que a sciencia põe actualmente á nossa disposição.
Se suppuzermos que a velocidade inicial é imprimida por meio de um canhão monstruoso a um wagon projectil em que os intrepidos viajantes houverem tomado logar, o homem com o seu fragil organismo conseguirá deixar vivo a terra por esse meio brutal? Se o total formidavel das forças, que se tornará mistér fazer actuar sobre o fundo do wagon projectil para lhe dar a propulsão necessaria, agir em um lapso de tempo demasiadamente curto, ha probabilidades para que esse wagon não transporte através do espaço mais de que uma almondega de carne humana. Seria necessario uma polvora lenta e progressiva, merecendo melhor esse titulo que as nossas polvoras actuaes, ou melhor ainda uma longa serie de camaras de polvora dispostas nos flancos e no eixo do canhão e a cuja carga, por um mecanismo automatico, se puzesse fogo no momento da passagem do projectil. Qual seria o prodigioso comprimento da alma d’esse canhão titanico?
Admittamos, porémm que se consegue amortecer o formidavel choque e que os viajantes escapam incolumes a esse primeiro perigo. Outro mais grave os ameaça: “Apenas sahidos da boca de fogo, os viajantes terão de luctar com o calor desenvolvido pelo attricto da atmosphera de encontro ás paredes do projectil, em consequencia da sua enorme velocidade; durante um tempo muito limitado, é certo, correrão o risco de morreram assados.
As dificuldades biologicas já grandes á partida, não serão menos consideráveis á chegada.
Quando a massa projectada chegar á atmosphera do planeta e mais ainda quando se operar o contacto do projectil com o solo d’este, a força viva achar-se-ha integralmente convertida em calor. Mas ainda para isto se póde prever um remedio, pelos mesmos meios que apontámos para modificar a trajectoria da parte util do wagon celeste poder se hia, no momento supremo, attenuar e talvez mesmo anniquillar a quantidade do movimento da parte util pela expansão de ar comprimido ou dos gazes de uma carga explosiva.”
Admittamos que os nossos viajantes hajam escapado a todas as vicissitudes da viageme attingido sãos e salvos o solo do planeta, alvo dos seus esforços. Conseguirão elles viver lá?
Depende isto essencialmente do planeta que fôr e com respeito a alguns d’elles responde o auctor do artigo ousadamente assim:
“A nossa opinião pessoal é que uma humanidade mais ou menos analoga á nossa existirá, existe ou existiu em cada um dos mundos do Universo, segundo a época geologica a que cada um d’esses mundos houver chegado. Mas os seres vivos d’esses mundos, tendo o seu organismo adaptado ás condições astronomicas, physicas e chimicas do mundo em que lhes foi destinado viver, esses entes differirão enormemente os animaes terrestres na maior parte dos astros. Muitos d’esses ultimos serão, pois, inhabitaveis para nós... Essas condições são numerosas e para não citar senão uma entre mil, o homem para viver na atmosphera d’esses mundos, com a hypothese primeira d’uma composição chimica sufficientemente approximada da nossa, deverá encontrar lá uma pressão sensivelmente egual á que existe na terra e que não varia senão em muito limitadas proporções. Se a pressão fosse fraca ou nulla, acontecer-lhe-hia esse phenomeno curioso que se observa nos peixes pescados a grandes profundidades, que ao chegarem á superficie expellem pela bocca o estomago e as entranhas, que deixaram de ser mantidos pela contra-pressão de muitas atmospheras, que o retinha anteriormente.
Mas, para não considerar senão o systema solar, certos planetas acham-se em condições astronomicas e chimicas pouco differentes da Terra. Marte tem o seu eixo de rotação inclinado da mesma quantidade que a linha dos polos terrestres sobre a sua orbita, as estações acham-se n’elle distribuidas da mesma fórma.
Este planeta está mais afastado do que a Terra das nascente de calor: o Sol. Mas nós vemos por exemplos quotidianos que o homem póde supportar differenças de temperaturas muito mais consideraveis do que as differenças de pressão. Jupiter tem o seu eixo quasi perpendicular ao plano da orbita, o que lhe assegura uma primavera eterna. Não ha duvida de que esse astro está cinco vezes mais afastado de nós do que o Sol: é provavel que esteja ainda em formação, mas nós estamos considerando o futuro e não o presente e se não se pensar em chegar até elle senão no momento em que elle houver chegado a um periodo geologico analogo ao que nós atravessamos, em virtude da posição do seu eixo, o homem encontrará nas visinhanças do Equador calor sufficiente para lé viver. Venus a que se póde dar o nome de astro irmão da Terra, rola fortemente inclinada sobre a sua orbita e os contrastes entre as estações succedem-se rapidas e terriveis. Mas se o homem se descolasse sobre esse globo, do Equador aos polos, para fugir ás bruscas passagens do frio intenso ao calor ardente e vice-versa, como as outras condições parecem approximar-se das que temos aqui (mesmo peso, igual duração do dia, etc.) Não é improvavel que a humanidade inteira pudesse lá subsistir.
A analyse espectral demonstrou a existencia de uma atmosphera na maior parte dos mundos do systema solar, revelou a presença do vapor de agua em planetas como Venus, Marte, Jupiter e Saturno, condições indispensaveis á vida. O carbone encontrado em certos Aerolithos parece pertencer ao reino organico e faz prever a existencia de vegetaes nos astros d’onde essas pedras prevem. N’estes astros encontraria o homem, portanto, os quatro elementos principaes da nossa chimica organica: carbone, oxygenio, hydrogenio e azote. Que conclusão tirar do que fica exposto?
Eis como M. Le Mée a formula: “Se ao ponto de vista mechanico o problema das communicações interplanetares não é de uma impossibilidade mathematica, a perspectiva da sua realisação pratica perde-se muito longe no dominio do porvir. As exigencias da physiologia animal tornam bem arriscada a tentativa. Mas a sua impossibilidade “absoluta” não se acha demonstrada.”
Referência bibliográfica
[n.d.] - "Astronomia - Assumptos interplanetares"
in Diário dos Açores
de 11 de Novembro de 1909, nº. 5520, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=3136.
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