O tratamento da lepra
Corre ainda mundo a velha ideia de que a lepra é uma doença incurável. Tanto na idade Média como até quasi o nosso tempo, os leprosos eram isolados da gente sã: e nas gafarias não se cuidava de lhes combater o mal, mas somente de os reter prisioneiros, prestando-lhes a indispensavel alimentação e tratamento para que ninguém acusasse a Sociedade de se libertar dos gafos por outros meios que não fossem o da triste evolução da sua gafeira.
Já numa destas crónicas falei em lepra e no modo primitivo como se cuida dos nossos leprosos de Moçambique descrito num dos livros do sr. dr. Brito Camacho em termos vivos que inspiram emoção e revolta. Disse como se está praticando em outros países onde se apregoa menos sentimentalismo do que entre nós, mas onde parece haver mais forte consciencia das responsabilidades por parte de quem governa. Pouco ou nada falei, porém, da terapeutica.
Aproveito hoje a leitura que fiz, dum artigo da “Presse Medicale”, escrito pelo sr. dr. Froilano de Melo, professor de escola Médica de Goa, para demonstrar aos meus leitores que a lepra é uma doença curável. Assim, ninguém, mesmo de alma reduzida a equações económicas, ninguém fica com o direito de dizer que os cuidados que se prestem aos leprosos só valem pela caridade de minorar o sofrimento duma lenta e cruel agonia.
Traduzo os principios formulados pelo sr. dr. Froilano de Melo:
1º Os métodos modernos de quimioterapia anti-leprosa, empregados de modo intenso e persistente, conseguiram, principalmente, nos casos recentes, provocar a regressão total das lesões clinicas e o desaparecimento completo dos bacilos de Hansen, pelo menos nas partes doentes e nas secreções em que habitualmente se procuram
2º Os métodos modernos de quimioterapia anti-leprosa, provocando, pelo menos temporariamente, a cicatrização das úlceras leprosas, não neurotróficas, e a cura das rinites específicas, realizam em muitos casos de lepra, adiantada uma verdadeira profilaxia anti-leprosa, opondo-se até certo grau, a disseminação do contagio pelas excreções bacilíferas.
3ª Os métodos modernos de quimioterapia anti-leprosa provocam em grande numero de casos melhoras mais ou menos rapidas e aparentes que, contudo, variam segundo circunstancias, algumas das quais escapam por agora á nossa análise: elas constituem para os pobres doentes um alivio moral a que não estavam habituados e deixam entrever a possibilidade de reduzir o número dos asilos e outros estabelecimentos cujo unico fim era o isolamento e a segregação, aumentando a dos Hospitais e dispensários para o tratamento da lepra.
Pode o leitor encontrar na transcrição que fiz do estudo do sr. dr. Froilano de Melo, qualquer termo cujo sentido desconheça. Isso não impedira, contudo, que aprenda o significado geral, e dele tire a insofismável conclusão sobre a importância do tratamento da lepra para o proprio doente, como relativamente aos possiveis contágios.
Os medicamentos que mais aproveitam aos leprosos são o óleo de chaulmoogra e seus derivados. Mas sobre isto não vale insistir, pois que o leitor se perderia na baralhada de derivados etilicos dos ácidos gordos contidos naquele óleo.
F. Mira
[seguem-se repostas a questões levantadas por leitores]
F. Mira - "Cronicas medicas "
in Diário de Notícias
de 21 de Outubro de 1925, nº. 21464, p. 3 (c.2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=3447.