A dieta do leite
Houve um medico inglês, chamado Brown, que aconselhava em muitas doenças a dieta de carnes e vinhos generosos. As suas indicações não esqueceram de todo, pois é vulgar ver, nas nossas provincias, quem pretenda alimentar crianças debilitadas por inflamações gastro-intestinais com processos semelhantes aos aconselhados por Brown. O estomago e os intestinos, já pela idade das crianças, já pela inflamação, não digerem estas carnes e quantos mais desses alimentos fortes se introduzirem no estomago, mais a criança se debilita.
Depois de Brown, um medico francês chamado Broussais, preconizou as dietas debilitantes. E eram então os caldos de frango, muito fraquinhos, sem olha de gordura, que constituiam a dieta de todos os doentes de gravidade, mesmo os tuberculosos, que tanto precisam de receber nos alimentos as muitas energias que desperdiçam.
No nosso tempo houve o predomínio da dieta láctea. O medico de mais fria análise e de melhor saber não pode contestar a utilidade da dieta lactea em muitas doenças e a quasi indispensabilidade dela em algumas. Mas não aconselhará, de resto, que se ponham a leite como alimento exclusivo, todos os indivíduos atacados de doença que dê cuidados.
Diz-se que o leite é um alimento completo. Não será tanto assim, e a esse propósito posso já citar uma restrição. O leite tem muito ferro e assim a dieta láctea exclusiva pode ser causa de anemias, por exemplo, em crianças a que se prolonga demasiadamente o tempo de amamentação.
Há que contar também com os efeitos que exerce a dieta lactea sobre a eliminação por via intestinal, em regra, prisão de ventre: em algumas pessoas o contrario, o que significa má digestão do leite. Pondo porém, de parte, essas considerações de ordem geral, fica-nos ainda a possivel contra-indicação do leite em determinadas doenças.
Todos sabem que uma úlcera do estomago pode levar á morte e que, para suster uma hemorragia e para facilitar a cicatrização da ulcera, convem ter o estomago em descanso mecanico e quimico, isto é, diminuir a secreção de suco gastrico e evtar as contracções de viscera. A melhor maneira de o conseguir é por o doente a dieta absoluta. Mas não se pode ter uma pessoa durante dias sem comer nem beber, para não acontecer o que Bocage disse de um homem rico:
“Escapava da molestia
Se não morresse da cura”
Passado o primeiro periodo alarmante, é pois necessário dar ao doente alguma alimetação. De leite? Não de leite, dizem os medicos russos da escola de Pawlow. A caseina do leite coagula no estomago passando o alimento em pequenas quantidades para o intestino, isto é, provocando contracções amiudadas. Por outro lado, o leite provoca abundante secreção do suco gastrico.
A melhor alimentação nestes casos seria, no dizer dos russos, a da clara de ovo e manteiga sem sal. A clara de ovo crua, não batida e sem sal não se detem no estomago, passando imediatamente ao intestino sem obrigar aquele a repetidas contracções, não excita a secreção de suco gastrico e fixa o acido cloridrico deste, isto é, o componente que pode irritar a ulcera e prejudicar a sua cicatrização. A manteiga, sem sal, tem propriedades semelhantes e, por ser rica em calorias, traz ao organismo quantidade apreciável de energias. Deve, porém, dar-se a hora diferente, relativamente á clara de ovo, porque a mistura dos dois alimentos constitui uma refeição que se demora no estomago e excita a secreção gatrica.
Com dez dias desta dieta, 18 dias o máximo, afirma Jarotzsky, professor em Moscovo, que diminuem as contracções do estomago e as secreções gastricas e cessam as dores, criando-se uma situação favoravel á cicatrização da ulcera. Será assim? O leitor o saberá do seu médico assistente, se é que sofre de uma ulcera do estomago, mal, na verdade, importuno mas não incuravel.
F. Mira
[Seguem-se respostas a questões levantadas por leitores]
F. Mira - "Cronicas medicas"
in Diário de Notícias
de 7 de Novembro de 1925, nº. 21481, p. 3 (c.3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=3468.