Sem querer assustar os leitores, porque as previsões do tempo alongo prazo falham, na maioria das vezes – confirmando o adagio popular “ Quando deus queria do Norte chovia” – indigita-se o proximo inverno como mais rigoroso e comprido que o anterior, o que equivale a dizer que, em 1926, não haverá verão, se bem que se nos afigura que já o verão de 1925 ficou reduzido a simples expressão.
Os modernos meteorologistas, por um lado, utilizando a aplicação de novos processos matemáticos á meteorologia –método da correlação e análise harmónica- ao estudo da periodicidade do tempo com os fenomenos solares e os astronomicos, por outro lado, aprofundando e desenvolvendo o estudo da heliofisica têm contribuido para o incremento da sciencia da meteorologia mesmo na parte relçativa á previsão do tempo. Se primeiro método se deve aos matemáticos F. Galton e K. Pearson, o estudo da fisica solar deve-se a Abbot, (?), Aldrsich, Schortner, etc, cabendo, por fim, ao celebre meteorologista japonês Kumitorni, além de outros, o enveredar o estudo da meteorologia pela fisica solar.
Um dos previsores da dureza do proximo inverno é o astrologo americano H. Browne, para o que se serviu do registo das observações da constante solar, executadas pelo dr. Abbot director do Observatorio astrofisico /Smithsonian Institution), fundada na deficiencia radiação calorífica do Sol, desde fevereiro de 1922,e consequentemente, no resultante resfriamento das aguas oceanicas, as quais, armazenando calor, se comportam como verdadeiros acumuladores.
Em reforço desta opinião vem, ainda, a do ilustre J. Gabriel que, na Academia de sciencias de paris, constattou a existencia de um ciclo luni-solar de 186 anos, compreendendo 10 revoluções de modo descendente da órbita lunar (intersecção da orbita lunar pela ecliptica) e (?) lunações. Aquele numero de annos duplicado dá um periodo de 373 anos, em que as lunações, as revoluções tropicas da Lua (tempo decorrido para que a Lua volte a ter a mesma longitude) as revoluções draconíticas (tempo de corrido entre duas passagens consecutivas da Lua pelo mesmo ascendente) e as revoluções anomalísticas (tempo decorrido entre as duas passagens consecutivas da Lua pelo perigeu) tem proximamente o mesmo numero de dias (135.870), o que dá lugar á volta perodica das posições respectivas do Sol, da Terra, e do nosso satélite, no respeitante aos elementos seguintes: declinação do Sol, fases da Lua, obliquidade da (?) lunar sobre o equador á distancia da Terra, á Lua e ao Sol.
Outro facto curioso, é que sendo esse número multiplo de 7, corresponde-lhe um numero exacto de semanas, não correspondendo, contudo, a este periodo, sob o ponto de vista fisico, o das fases da actividade solar, pois que um maximo coincide com um minimo, pelo que se faz duplicar, obtendo-se assim um ciclo astronomico de 744 anos, no qual se reproduz então o estado de actividade das manchas solares. E do magnetismo terrestre.
Os elementos acima referidos são os principais que, no estado actual dos nossos conhecimentos parecem influir na situação respectiva dos anticiclones e das depressões atmosfericas ; no entanto, o autor admitindo a hipotese de que as acções lunares têm uma influencia preponderante sobre a deslocação dos anticiclones e ciclones, pensa ver no decurso de 372 anos uma certa periodicidade nos fenomenos atmosfericos.
Á primeira vista parece dificil confirmar-se tal periodicidade, visto as observações meteorologicas, limitadas á temperatura e á chuva, alcançarem apenas 2 séculos; é quase sempre possivel constituir uma lista – evidentemente incompleta- de estações extraordinárias no decorrer dos seculos, visto os historiadores referirem-se, de ordinario, aos excessos das estações. Do confronto destas epocas se salienta não somente o ciclo de 744 anos mas ainda o periodo de 372 anos e até mesmo, o semi-periodo de (?) anos.
A hsitoria aponta-nos como os maiores invernos sofridos depois de 2 seculos, os correspondentes aios anos de 1740, 1776, 1789, 1891, 1895, 1917 e, bem assim , os anos de 1798, 1811, 1893, e 1911, como os verões mais quentes. Ora, se a hipotese se justificar, o inverno de 1926 deverá ser duro!...
Convém mais notar que, conforme a declaração do autor do “Atlas Meterologico de Paris”, Levine, os numeros, dos anos acima citados, representam o periodo de 93 anos multiplicado pelos algarismos 2, 4 e 8.
Este periodo comum de 93 anos tropicos e de 5 revoluções da linha dos nodos da orbita lunar é o resultado da aplicação em 2 seculos, de observações da pressão atmosferica no Observatorio de Paris, visto ser a pressão o unico elemento meteorologico subtraido de influencias locais.
Vê-se pois, que o estudo da alta meteorologia está dependente da fisica solar. Já em (?), Pantillet media o calor do Sol com o seu instrumento pireliometro.Mais tarde, Violle, Choruloon e Augstran realizaram importantes observações sobre a quantidade de calor emitido pelo Sol. Eis que depois do sr. Abbot, aperfeiçoando o aparelho e o metodo de Langley, após um persistente trabalho associado a inumeras observações da medição da radiação solar, em varios pontos do globo, corroborou, não só a variabilidade o que não admira, visto este astro ser uma estrela variavel, mas ainda a grande importancia que dessa variabilidade advem sobre a meteorologia.
Ora, se denotarmos que, entre nós, pouco ou nada ha feito sobre fisica solar, apesar de sabermos numa das melhores regiões do globo para tais estudos, além de que, segundo cremos pouca ou nenhuma instrução sobre meteorologia se ministra nas escolas desde a rural até á de mais elevada categoria scientifica, justo era que por iniciativa oficial, ou, ainda, como lá fora, por iniciativa particula. Auxílios viessem em pró do incremento desta sciencia, quere para o que ha feito na agricultura, na certeza que a navegação e o cultivo da terra, na opinião do mais abalizado meteorologista contemporaneo Napier Shone, compensariam bem tudo quanto se fizesse em seu beneficio.
Lisboa, 31-10-925
A. Ramos da Costa
A. Ramos da Costa - "Na perspectiva dum inverno rigoroso"
in Diário de Notícias
de 7 de Novembro de 1925, nº. 21481, p. 4 (c.1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=3469.
Ciênias da Terra