As modernas theorias relativas à electricidade e à matéria
por
Madame Curi
(da Revue scientifique)
(continuação)
A dissymetria entre os ions positivos e negativos, manifesta-se em certos casos, fora da sua propria formação. Temos disto um exemplo frisante, no phenomeno chamado phenomeno de Heertz: alguns metaes, taes como o zinco, carregados negativamente, perdem a sua carga quando os illuminam com luz ultravioleta, o que pelo contrario se não dá, quando a carga é positiva.
Parece hoje provado que o zinco, assim como outros metaes facilmente oxidaveis, tem a faculdade de emittir expontaneamente electrons sob a acção da luz ultravioleta. Se a emissão se faz no vacuo, os electrons podem adquirir, n’um campo electrico, uma grande velocidade, e comportam-se então como os raios cathodicos dos tubos de Crocks.
Se a emissão se effectua no ar, á pressão ordinaria, os electrons rodeiam-se de agglomerações de moleculas neutras, e formam ions relativamente pouco moveis e em tudo semelhantes aos ions negativos, creados pelo ar pelos raios Roentgen. Mas nos dois casos a descarga é unilateral; a corrente não passa senão quando o metal está carregado negativamente, porque o metal não pode emittir electrons negativos, quando a partida d’estes é impedida pela attracção d’uma carga positiva communicada ao metal.
Acabamos de ver que os gazes podem tornar-se conductores sob a acção de certas radiações ou da combustão nas chammas. Sabe-se tambem, ha muito tempo, que fóra de todas estas acções, um gaz não pode ficar isolado para um campo electrico sufficientemente forte. É este o phenomeno antigamente conhecido da descarga diruptiva sob a forma de faísca e de arco, no ar, á pressão ordinaria, phenomeno que affecta diversos e complicados aspectos nos gazes a pressão reduzida. A theoria dos ions gazosos lançou uma viva luz sobre este modo de descarga.
De trabalhos recentes resulta que se póde chegar á comprehensão da descarga diruptiva, admittindo que os ions que adquiriram velocidade sufficiente sob a acção d’um campo eletrico, podem actuar como projecteis que no seu encontro com as moleculas do gaz, as ionisam pelo choque que lhes fazem soffrer. Os ions negativos são agentes ionisantes bem mais activos do que os ions positivos e podem actuar como tal nos mais fracos campos. Concebe-se que, multiplicando-se assim os ions pelo choque dos já presentes, a conductabilidade do gaz se possa tornar muito grande, quando o campo se torna sufficiente. É então luminoso o gaz ionisado.
Os raios cathodicos que se produzem quando se faz passar a descarga n’um tubo contendo gaz a baixa pressão, são electrons enviados pelos cathodo com grande velocidade. Tendo os electrons e os ions positivos propriedades differentes, o tubo de descarga toma o conhecido aspecto dissymetrico, que parece poder explicar a theoria dos ions da qual, até agora, interpretação alguma fôra tentada.
Os raios Roentgen que emanam dos tubos de Crockes são considerados actualmente como ondas electromagneticas, cujo periodo de emissão é muito curto. Taes ondas podem provir d’um electron cada vez que este experimenta uma acceleração brusca, o que por exemplo, succede, quando os electrons d’um metal são postos em vibração pelo choque dos raios cathodicos.
Do que se acaba de dizer, infere-se que todo o gaz que se mostra conductor, contem centros carregados a que chamamos ions gazosos. A presença d’estes centros carregados pode tambem ser revelada por meio de uma experiencia muito curiosa, experiencia que utilisa a propriedade que possuem os ions em facilitar a condensação do vapor d’agua saturada.
Quando o volume d’uma curta massa de vapor d’agua saturada augmenta bruscamente, o vapor d’agua esfriado por este movimento, fica sobre saturado; comtudo se o recipiente não contém poeira alguma, e se a sobre-saturação não é muito grande, nenhuma condensação notavel se produz na massa do gaz, ficando este transparente. Mas quando o gaz contem ions, a condensação produz-se mais facilmente, isto é, por uma menor detenção. É facil regular esta de tal modo que não seja acompanhada de condensação alguma quando o gaz não está ionisado, e que pelo contrario dê occasião a uma abundante condensação quando o estiver. N’este ultimo caso a condensação manifesta-se pela formação d’um nevoeiro opaco que enche o recipiente. O estudo d’este phenomeno mostra que as pequenas gottas d’agua que constituem o nevoeiro, formam-se sobre os ions, dos quaes cada um serve de centro a uma d’ellas. Experiencias extremamente engenhosas permittem contar as pequenas gottas d’agua contidas n’um centimetro cubico de nevoeiro e de obter assim o numero de ions presentes no mesmo volume. Examinando além d’isso a carga total dos ions de cada signal por centimetro cubico, chega-se a conhecer a carga individual de cada ion, isto é a carga d’um atomo d’electricidade. Esta carga é egual a 3,410/10 unidades electroestaticas.
Para realisar uma experiencia de condensação n’este recipiente, ionisa-se o gaz por meio d’um fio de platina incandescente. Sabe-se, com effeito, que os corpos incandescentes produzem uma ionisação energica no gaz que o rodeia.
Continua
Iman
(Trad para o Diario dos Açores)
Madame Curie, Iman (trad.) - "Revista Scientifica - As modernas theorias relativas à electricidade e à matéria"
in Diário dos Açores
de 7 de Outubro de 1907, nº. 4905, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=348.