Texto da entrada (ID.3504)
Os cabelos de Eva
Disseram os jornais que Sua Santidade tinha louvado algumas senhoras admitidas à sua presença por terem sacrificado as suas longas cabeleiras. Estou em crer que o Pontifice, de olhos postos no passado, vê nessas damas as directas descendentes das cristãs que cortavam as tranças ao pronunciar os votos monasticos que as separavam do mundo e as consagravam a Deus. Se assim não fosse, dir-se-ia que se tratava de (?) uma certa ironia querendo significar que o corte dos cabelos tivesse embora (?) vantagens, não tinha a vantagem de as tornar formosas.
Osmedicos não hesitarão em ver com simpatia essa moda dos cabelos curtos pois é preciso reconhecer que nunca a moda obedeceu aos preceitos de bem pretendida higiene. É muito respeitavel a moda tanto que cegamente lhe obedecem todas as mulheres e maior parte dos homens. A sua inconstancia deve-se como fenomeno geral, á sedução que tem sobre nós tudo quanto é novidade, ou antes, tudo o que representa variedade visto que o campo da novidade é limitado. Particularmente a inconstacia da moda está ligada também a interesses comerciais. Não sei até que ponto influem estes interesses na moda dos cabelos curtos.
A este proposito me lembro de [lê-se mal]
(..)
Nunca porem as senhoras se interessaram verdadeiramente sobre a conveniencia ou inconveniencia de novas modas relativamente a questões de higiene. Desejam sim, que lhes diga se com a adopção desta moda “ficam melhor”, frase modesta que significa ficarem com maior poder de sedução : encanto de homens é motivo de despeito para as outras senhoras.
Sob este aspecto creio poder afirmar que o corte dos cabelos, como as outras modas, não afecta nem alinda ninguém. Meu pai, que Deus tem, conheceu um homem que tinha a barba toda branca e por um dia fez escanhoar todo o rosto causando espanto em tempo em que não era de uso o rosto glabro em gente masculina. Perguntava então se ainda tinha cara de velho. E logo houve quem respondesse: não, agora tem cara de velha.
Conta-se que Sansão não morreu de puxar a atafona onde o jungiram os filisteus e que feita a paz com os seus inimigos, a abandonado queixada de barro que lhe fora nas mãos uma arma terrivel, novamente procurou nos braços de Dalila a embriaguez que o levara ao cativeiro. Nos dias felizes que estava vivendo não esqueceu, contudo, os seus antigos pensamentos de vingança; e uma noite, com a mesma tesoura com que Dalila cortando-lhe os cabelos lhe tirou a força, sacrificou sem piedade as tranças dela tentando tirar-lhe a formosura. Quando Dalila acordou, ao mirar-se no espelho de metal, longe de manifestar a dor que Sansão previa, somente lhe disse com o seu mais encantador sorriso: Repara, como fico assim bonita.
Sansão devia ter lamentado o seu gesto inútil.
F. Mira
[segue-se resposta a questão levantada por um leitor]
Referência bibliográfica
F. Mira - "Crónicas médicas"
in Diário de Notícias
de 3 de Dezembro de 1925, nº. 21506, p. 5 (c.1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=3504.
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