As modernas theorias relativas à electricidade e à matéria
por
Madame Curie
(da Revue scientifique)
(continuação)
Passemos agora aos factos essenciais revelados pelo estudo dos corpos radioactivos e examinemol-os sob o ponto de vista de hypothese da transformação atomica d’estes corpos.
Entre os elementos radioactivos, uns parecem-nos invariaveis (uranio, thorio, radio, actnio), outros perdem pouco a pouco a radioactividade (polonio). O representante mais poderoso dos corpos de radioactividade constante é o radio. Na theoria da transformação admitte-se que estes corpos se transformam muito lentamente, e de tal forma que uma dada massa de radio diminue na metade em alguns milhares d’annos. Por consequencia, n’um gramma de radio, a quantidade que desapparece n’uma hora, é absolutamente inaccessivel á experiencia. Comtudo um gramma de radio desprende durante uma hora, uma quantidade de calor, pouco mais ou menos egual a 100 calorias. Para formarmos idéa de como é enorme esta emanação de calor, notemos que, segundo a duração de vida attribuida ao radio, a transformação completa d’um gramma d’este corpo, deve necessariamente emanar tanto calor como a combustão d’uma tonelada de carvão.
A transformação do radio, se é transformação, não póde pois ser encarada como uma reacção chimica ordinaria entre atomos, sendo a quantidade de calor emanado de uma ordem de grandeza inteiramente differente. É-se pois levado a admittir que a transformação se opera no proprio atomo, porque as quantidades de energia postas em jogo na formação dos atomos, são provavelmente consideraveis.
Notemos alêm d’isso que o phenomeno da radio actividade, affecta um caracter atonico incontestavel, que foi posto em evidencia no principio d’estas pesquisas. Foi precisamente a convicção de que estavamos em frente d’um phenomeno atomico, que nos conduziu, M. Curie e eu, à descoberta do radio. Se a radio-actividade não pode ser separada do atomo, difficil é attribuir á transformação outra causa que não seja a d’esse phenomeno no proprio atomo.
Os effeitos produzidos pelo radio são muito poderosos, attendendo a quanto é pequena a quantidade d’esse corpo de que geralmente se dispõe para as experiencias. Vemos n’esse corpo uma emissão continua e expontanea de scintillações analogas ás que sabemos produzir por meio de uma bobine de inducção n’um tubo de Crookes, scintillações ou raios que originam a ionisação dos gazes da mesma forma; podem, por exemplo, produzir rapidamente a descarga d’um electroscopio. A energia dos raios é tão grande que a descarga pode ainda effectuar-se envolucro metallico.
Entre os raios, alguns são constituidos por particulas electrisadas e animadas de grande velocidade. Umas estão carregadas positivamente e as suas dimensões são comparaveis ás do atomo; outras são electrons negativos cuja carga electrica é posta em evidencia por uma experiencia directa. Suppondo-se que todos estes projecteis veem do proprio atomo de radio, não nos podemos subtrahir á conclusão de que a partida d’uma particula positiva deve, pelo menos, effectuar uma modificação no atomo que a expulsou.
Dos electrons emittidos, alguns ha cuja velocidade é enorme e que attingem 9/10 da da luz. Viu-se que a massa d’estes projecteis, que são os mais rapidos que se conhecem, é maior que a dos electrons mais lentos, resultado este que pode ser considerado como a confirmação da theoria, segundo a qual a massa d’um electron é o resultado de phenomenos electro-magneticos.
A energia dos raios do radio, manifesta-se tambem pela faculdade que teem de excitar a luminosidade de diversas substancias phosphorescentes. Os saes do radio, são, além d’isso, propriamente luminosos, luz que, em certas condições, é muito visivel.
Eis no entretanto uma nova serie de factos que se interpretam muito bem na theoria das transformações radio-activas. O radio desloca continuamente uma substancia que se comporta como um gaz material radio-activo, substancia que recebeu o nome de emanação. O ar que esteve em contacto com uma solução de sal de radio fica carregado de emanação e torna-se fortemente conductor. Um tubo de vidro fechado, no qual se encerrou emanação, actua em redor como um corpo radioactivo; pode, por exemplo, descarregar um electroscopio carregado. Quando a emanação é absorvida por um vaso que contém sulfureto de zinco, este torna-se muito luminoso. A emanação é um gaz instavel; destroe-se mesmo expontaneamente n’um vaso fechado segundo uma lei invariavel: uma dada quantidade de emanação, diminue metade, n’um periodo de quatro dias, pouco mais ou menos. A emanação possue a propriedade de tornar radio-activos todos os corpos que estão em contacto com ella. Estes corpos ficam então possuindo radioactividade, a que se dá o nome de induzida.
(Continua)
Iman
(Trad para o Diario dos Açores)
Madame Curie, Iman (trad.) - "Revista Scientifica - As modernas theorias relativas à electricidade e à matéria"
in Diário dos Açores
de 8 de Outubro de 1907, nº. 4906, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=352.