ASSUMPTOS DO DIA
A revolução social pela chimica
O seculo XIX acaba desastradamente, confirmando d’algum modo a phrase de Bismark e de outros pensadores da mesma laia de que a guerra é uma cousa providencial. A exposição de Paris, apesar de ser a mais gigantesca synthese da actividade humana, perdeu muito do seu interesse e do seu brilho, preoccupado como estava o espirito de todos os povos pelas carnificinas da Africa do Sul e do celeste imperio. O receio de que o conflicto chinez se convertesse n’um conflicto internacional, receio que ainda não se dissipou de todo, prejudicou muito o grande certamen que era o symbolo da paz e da confraternidade no meio da desconfiança e da inquietação universal.
Segundo Hobbes, o estado natural da sociedade é a guerra, ou a lucta pela existencia, como se diz agora, scientificamente, para dourar a pilula e para tirar ao homem o caracter de animalidade feroz que o domina. A lucta pela existencia é pois um euphemismo, uma phrase doce, com que se pretende encobrir uma idéa cruel. Como quer que seja, o que é certo é que ella representa um facto evidente, real, inilludivel. Admittindo mesmo que a humanidade não é tão má como parece, que ha n’ella um poderoso instincto de bondade, os factos veem todavia demonstrar que essa corrente é dominada por outra, mais forte ainda, em sentido contrario. Nada mais curioso e extranho que este contraste e este contrasiso. Por um lado a humanidade faz todos os esforços para evitar a peste e os effeitos desastrosos de algumas doenças não menos consumidoras, a sciencia e a industria procuram em todo o afan produzir e derramar a maior somma de bem-estar, e por outro lado diversos estados, por uma animosidade criminosa, destroem todos esses beneficos effeitos, perturbando incessantemente as amigaveis relações que devem existir entre todos.
Os homens, tanto individualmente como collectivamente, não tratam senão de despojar-se uns aos outros. Dir-se-hia – e effectivamente assim parece – que o mundo é pequeno para os conter e que a terra é infecunda para os sustentar. Se a vida fosse menos tormentosa, se a natureza prodigalisasse mais os seus recursos, se a subsistencia se obtivesse mais facil e promptamente, a voracidade humana já não teria tanta rasão de ser ou manisfestar-se-hia de modo mais brando.
Assim, no estado actual das cousas, povos e individuos, todos teem pressa de colher e devorar a sua presa, com receio de que ella venha a faltar ou a desapparecer, como a sombra furtiva, que apparecia no espelho do rio ao ludibriado cão. Ninguem conta com o dia de ámanhã, na incerteza das instituições balouçantes, e no medo de que se traduzam em factos as ameaças dos que pretendem revolver debaixo para cima a sociedade. Somos uns millenarios de uma nova especie, insoffridos de goso e desconfiados de que nos falte o tempo e o ensejo de satisfazer o appetite.
E não haverá meio de combater este estado nevrotico, esta febre que se apossou do organismo social que tanto apavora os arúspices do futuro?
Ha quem volte os olhos esperançosos para a sciencia e homens de sciencia que procuram incutir a sua fé no espirito dos incredulos. Berthetot [sic], o sabio chimico francez, é um d’esses philosophos bonacheirões, que nos promettem, em não remotas eras, um paraiso na terra. Elle fala como um apostolo compenetrado da verdade da sua religião e está convencido que a sciencia é quem ha de operar a mais extraordinaria revolução social, fornecendo elementos de vida completamente novos. Os manejos dos politicos e os planos dos grandes agitadores nada valerão perante o descobrimento de novos agentes e o melhor aproveitamento das forças da natureza. Á chimica sobretudo está reservado um grande papel. Quando ella extrahir e preparar os principios activos das substancias alimenticias, de modo que uma pequena dose baste para sustentar o organismo, o problema da existencia da terra ter-se-ha totalmente transformado para melhor. Com uma caixa de pastilhas na algibeira o homem poderá fazer a travessia do mundo sem soffrer necesssidades.
Verdade e [sic] que a reducção a extractum das materias alimenticias obriga tambem a uma atrophia dos orgãos digestivos e essa operação não se poderá realisar senão vagarosamente, por uma evolução, cujos limites não são faceis de prevêr. Este é effectivamente um dos lados espinhosos da questão e queira Deus que este desalinhamento progressivo dos orgãos mais importantes não complique com os demais orgãos e funcções. A theoria do transformismo é favoravel a este modo de vêr as cousas, mas receiamos [sic] muito que da experiencia não venha a resultar sómente o desengano.
O chimico ainda não perdeu ainda de todo a essencia do alchimista e é possivel que o sr. Berthelot, Alberto Magno do seculo XIX, não passe d’um poeta da sciencia, d’um Julio Verne da chimica, d’um generoso visionario.
Em todo o caso, por mais confiança que nos inspirem as doutrinas do sr. Berthelot, damos-lhe um doce se elle fòr capaz de reduzir e atrophiar o estomago de abestruz [sic] dos politicos eminentes, tanto do paiz como de qualquer outro.
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