Texto ilustrado com 9 fotografias e 7 desenhos, mais 1 desenho de abertura.
Redator: Fialho de Almeida
“Lisboa Monumental”
Texto de opinião sobre as opções urbanísticas de Lisboa e dos arredores, nomeadamente da margem sul e dos meios de transporte entre margens. Trata-se de um texto que avança possíveis soluções para problemas como habitação, transportes, indústria, higiene pública, planeamento urbano.
Ilustrado por 16 desenhos, mais um desenho de abertura.
A narração começa com a explcitiação dos conflitos entre a Companhia Real dos Camihos de Ferro e a direção do Sul e Sueste, que têm estratégias diferentes para desenvolvimento dos trasnportes entre as duas margens do Tejo. Enquanto a Companhia Real não estará interessada no desenvolvimento do projeto da Sul e Sueste, esta pretendia estender o caminho de ferro do Barreiro a Almada ou Cacilhas.O autor defende a transferência da indústria de Lisboa para a margem Sul, com bons transportes, induzindo assim o desenvolvimento daquela região e fixando ali população. Só depois do desenvolvimento da margem sul se deveria considerar a possibilidade de construção de uma ponte entre as duas margens. Seria mais urgente construir já a linha ferroviária até Almada ou Cacilhas do que uma estação fluvial Sul Sueste, que estava então e discussão, na zona da alfândega de Lisboa. O Arsenal da Marinha sairia das suas instalações junto ao Terreiro do Paço e iria para margem sul. Lisboa precisaria de outras obras na zona suburbana, na zona norte e oeste, quase abandonadas no que diz respeito à exploração agrícola e à arborização.
O Palácio da Ajuda deveria ser completado e requalificação da zona, acabando com as barracas e a desorganização urbanística que caracteriza aquela zona. A Biblioteca da Ajuda poderia também ser modernizada e atualizada. O porto de Lisboa também precisava de ser melhorado e completado ao longo da margem Norte, onde se deveriam também construir jardins e espaços para diversão da população. Assim se facilitaria a requalificação dos bairros “infectos” de Lisboa, como Alfama, Castelo, Mouraria, Alcantara e outros., garantindo condições de higiene pública para as populações.
“Coincidirá isto co’a derrocada, ou pelo menos a larga desbridação dos beirros infectos d’Alfama, Castello, Mouraria, Alcantara e outros muitos onde a população trabalhadora se comprime, e mais ou menos são montureiras de gente, destruidoras da mocidade e vigor da raça popular. Ao derribar alguns d’estes reductos infames da tuberculose implacavel, nãodevem os municipes dar ouvidos á archeologia piegas que em certos bestuntos confunde o respeito das coisas artisticas com a monomania idiota de conservar tudo que é velho; e isto succederia na Alfama, para cujas recordações historicas logo esses gansos capitolinos reclamariam talvez salvo-conductos. A verdade é que, salva certa nomenclatura poetica das alfurjas e becos, salvo um ou outro bocado de muralha fernandina e joanina – onde algum cubo ou quadrella serve de mirante ou poleiro a algum quintalorio de burguez pobre – salvo um ou outro edificio, arco ou recanto, valendo mais como reprego scenographico do que como amostra architetonica dos seculos que Alfama conta, nada o caduco burgo da Lisboa priméva se póde dizer ostente que, a troco da salubridade dos moradores, valha a pena manter e respeitar. São recordações que maiormente não fazem falta á physionomia historica da terra, e d’onde se sahe enojado da porcaria das ruas e das lojas, da insulsez architectonica dos predios, da irremmissibilidade antihygienica emfim d’aquelle immundo ghetto onde pulula uma ralé de gente verde, ossosa, e que parece exhumada depois de alguns mezes de podridão subterranea.
É minha opinião, e a de todos os medicos que rigorosamente teem escoldrinhado a insalubridade irreparavel d’aquelle verdaeiro monturo medieval, que o bairro de Alfama, como o do Castello, Santa Apolonia, Mouraria, etc., devem ser por completo arrasados e desfeitos, pois sem essa destruição impossivel se faz tancar tantos sinistros fócos da pathogenia complexa que os distingue, assim como emprehender d’um jacto o plano de canalização impermeavel, completo, que todo o bairro hygienico necessita antes de tudo, e com a sufficiente escoante para a immundicia não fazer depositos permanentes no sub-solo, já de si secularmente infiltrado e pestilento. Ora quase toda a população operaria e pobre da capital, isto é, dois terços da total, vive acocorada em bairros sem emenda, e a que tarde ou cedo vem a ser preciso deitar fogo.
Os proprios chamados bairros operarios, ultimamente abertos, são poçanheiras asfixicas, sem beleza nem graça, em pateos lugubres, terrenos de refugo e mau acesso, mal expostos, mal calafetados, mal enxutos, com a hygiene funcção da estupidez dos mestres d’obras, trazida á corda pela sofreguidão cruel dos senhorios...”
Defende a abertura de avenidas largas e direitas, com canalização e salubridade, inviabilizando assim focos de perigo. A descrição que faz dos bairos existentes quanto à limpeza das ruas, esgotos, recolha do lixo, condições das casas, é de tal modo negativa que apela ao leitor para que se identificque com o seu pensamento:
“(...) Esgotos horriveis, pestosos urinoes sem desinfecção nem limpeza regular, letrinas no sitio mais escuso e humidos das casas, onde os unicos liquidos são ourinas ou aguas corruptas de cosinha – madeiras podres e soalhos fendidos, por cujas frinchas os detrictos ifeciosos se anicham, lustres, constituindo nos entresolos outros tantos fócos de cultura – doenças contagiosas que passam matam e vão renovando os inquilinos, sem que nenhuma desinfecção, pintura ou lavagem regular dos muros e soalhos, ao menos socegue o espirito contra a repercussão dos mortos nas novas geraçoes de moradores... Está inteirado o leitor? Acaso a telegraphia celere d’estes bairros-gehennas lhe haverá calafriado o espinhaço quanto ás cloacas que, em nome da archeologia e da sordidez capitalista, inda servem de abrigo ás populações proletárias, trabalhadoras, fabris da capita?!...”
Era, pois, necessário reconstruir Lisboa, melhorá-la, melhor organizada, nova e moderna, deitando abaixo os bairros “malditos”, fazendo novas canalizações, com encaminhamento para o rio ou tratando os dejetos quimicamente, evitando assim a poluição (“infecção”) do rio.
“Podes agora começar, leitor, de coração ligeiro, o bairro novo, a cidade republicana e proletaria, n’este paiz d’oiro-sol, de ceu azul, de golfos pallidos, de colinas de greda e nuvens de algodão.”
Descreve o tipo de construção recomendado para habitações, materiais, fazendo ruas direitas, largas e com bons passeios com árvores. Defende a construção de rotundas, jardins de crianças e campos de exercícios e jogos para adultos. Em torno da rotunda maior haveria uma biblioteca pública do bairro, o lactário, a creche, o balneário gratuito, o ginásio, a igreja, a casa de conferências e comícios, e a escola e ainda uma ou outra oficina complementar da educação.
Critica igualmente as construções da zona rica da cidade, a zona luxuosa, capitalista, oficial e monumental da cidade, bem como as opções que têm sido tomadas tanto na construção e edifícios novos como na reconstrução de edifícios antigos, como a Sé de Lisboa.
Defende a conclusão da Igreja de Santa Engrácia e a sua transformação em Panteão, criticando os que o querem fazer nos Jerónimos.
Critica igualmente a arquitetura da Escola Médica:
“Entre os edificios modernos, de proporções monumentaes, como a recente Escola Medica, continua o desastre architectonico na linha de casarões pejados da tradição conventual que encheu os outeiros lisboetas de casernas de frades e frontarias de egrejas jesuiticas. É o peso desgracioso das massas: é a nudez das frontarias, symetricamente esburacadas; o modelo eterno da janella de tynpanos curvos, do século XVII italiano; os estreitos atrios, as claustradas mesquinhas, os corredores de carcere, sem luz: a inharmonia de proporção e distribuição de corpos e molduras – todo esse ar forreta e arapozado, sem invenção, sem graça, que faz cahir os braços de tristeza, e desillude sobre o que poderia ser, n’uma terra intelligente e de luz tão linda, a creação artistica de architectos que tivessem talento e se decidissem a vêr por conta propria.
D’ahi, como se não bastasse estarmos em terra onde a classe dirigente, conselheiral e cretinoide, não s eimporta, ainda por cima a miseria esthetica se aggrava com os desmazelos da gerencia. Na Escola Medica estavam gastos até fevereiro ultimo (1) cerca de mil contos, faltando ainda estuques e grande parte da decoração interior do edificio. Como achassemos exhorbitantes o preço, uma voz categorica affirmou que poderia ter sahido mais em conta, se o ministro, em dois annos de crise obreira, não tivesse pago trezentos e cincoenta contos de réis de jornaes, a operarios a quem não mandava fornecer manteriaes de construção (2).
- De sorte que estão ali 350 contos roubados ao Estado, a beneficio d’ociosos que durante dois annos estiveram deitados, a fumar; não saindo o fiscal (sic) do escriptorio, mezes inteiros, por não poder reprimir essa relaxação authorisada!!!”
Critica os gastos excessivos em obras públicas, de que dá exemplos.
Propõe ideias para a resolução destes problemas de gestão urbanística, nomeadamente a criação de um conselho técnico para escolha do estilo arquitetónico dos edificios e dos bairros a construir. Formar arquitetos para criarem uma casa portuguesa, de cidade, praia ou campo, criando uma arquitetura nacional.
Algumas das fotografias e dos desenhos:



