Texto sobre costumes antigos em desaparecimento no Alto Minho, Gardunha e Nordeste Transmontano, com 12 fotografias, da Portugalia, todas reproduzindo pessoas com vestuário tradicional.
O texto longo introduz alguns aspetos relativos aos estudos etnográficos e sua importância e descreve as peças de vestuário e hábitos e habitantes destas regiões.
“É sabida a importancia que a montanha assume por toda a parte como factor social. É della que mais resiste, pela força da sua inercia, ás correntes do vento e ás correntes da civilisação. Depois que a geographia se transformou, em resultado dos trabalhos de Humboldt, de Ritter e dos seus successores, dentro dos ultimos tres quartos de seculo, reconheceu-se a existencia de um principio de connexidade, pelo qual a caracteristica de qualquer sitio se torna uma coisa complexa, que resulta do conjuncto de um grande numero de influencias e da maneira por que ellas se combinam e modificam umas ás outras. A montanha e a ribeira são, porém, sempre o elemento preponderante, onde apparece um ou outro. A tenacidade de resistencia que offerecem os habitos da serra é, especialmente, um facto conhecido. A vida aspera e contemplativa das altas regiões endurece os homens, e na sua atmosphera limpida, pura e fria, elles adquirem não só huma forte estructura ºhysica, como uma grande persistencia de caracter. (...)”
Exemplo de descrição de individuos da população:
[Na Serra da Gardunha:] “O chefe de familia era um typo original. O seu nariz adunco, signal de avidez e de avareza, o seu queixo de um recorte caricatural, a barba razeada, toda a linha curva do corpo, davam-lhe um ar perfeito d’aquelles velhos judeus que Raphael Bordallo fez nas Caldas da Rainha para as capellas do Bussaco. A sua linguagem era pittoresca, conservando n’ella muitas palavras um sentido archaico. (...)”
Não há, comtudo, no ºaiz, outro exemplo subsistente mais completo da sequestraçao de serrano do que em Miranda do Douro, onde se fala inclusivé um idioma proprio, de proveniencia directa do latim vulgar, que póde ser considerado como um co-dialecto do portuguez. Em outro lugar acentuámos ainda recentemente o interesse ethnologico de uma viagem a esse extremo meridional de Traz-os-Montes.
(...)
O regimen conservador das populações serranas manifestou-se sempre por uma maneira bem evidente na manutenção dos velhos trajos, que se conservavam desde tempos immemoraveis sem modificações sensiveis, a ponto das peças de vestuario de mais luxo, e consequentemente representativas de maior dispendio, passarem intactas de mães e filhas e de paes a filhos na maioria das familias. A moderna transformação industrial e a crescente facilidade de communicações tem ido, porém, lentamente mudando a situação e os antigos trajos serranos, tão cheios de caracter e de pittoresco, e, além d’isso, tão adequados ás condições topicas, começam a desapparecer.
É pelo menos o que nos denuncia como succedendo actualmente na região do norte do paiz, um observador de rara consciencia e sobrado merito e saber. É o caso que a Portugalia, atendendo ao seu alto valor como phenomeno etnographico, resolver fazer um inquerito sobre o trajo serrano, e que d’elle se incumbiu o seu redactor principal, que é o sr. Rocha Peixoto, distinto escriptor e homem de sciencia.
Na nossa terra, e n’uma epoca como a que vae mizeravelmente correndo, as melhores e mais desinteressadas iniciativas encontram geralmente a indifferença do publico, e ás vezes até, infelizmente, a hostilidade de invejas e malquerenças. É provavel, por isso, que, dado o silencio do reclame, prompto sempre para os que o pedem, mas avesso e renitente para qualquer acto espontaneo, por mais justo que seja, algum dos leitores não conheça a Portugalia, publicação pouco vulgaridada, apesar do seu alto interesse scientifico e patriotico. Cumpre pois dizer o que ella é.
A Portugalia é um archivo destinado a colligir materiaes para o estudo do povo portuguez, que tem sido guiado sempre com o mais escrupuloso criterio scientifico e executado com inexcedivel primor artistico. Ao lado do seu texto, sempre escolhido, interessante e inedito, impresso em elegancia typographica, figura uma riquissima documentação artistica executada com o maximo primor. Com razão, por isso, disse em um jornal francez o eminente anthropologista sr. Cartaillac que «uma grande nação podia invejar esta revista.» Cada fasciculo constitue um volume de cêrca de 200 paginas, afóra as numerosas estampas. E esta dispendiosa edição, que o nosso mercado nunca poderá evidentemente compensar, é exclusivamente feita á custa particular dos seus fundadores, filha só da sua dedicação e do seu generoso disvello. Dirige-a o distincto archeologo Ricardo Severo, com a cooperação, desde o começo, de Rocah Peixoto, que é hoje, seguramente, o nosso mais habil e diligente ethnographo e de Fonseca Cardoso, um anthropologista de escepcional competencia.
Foi, pois, essa magnifica e autorisada revista que realisou, ultimamente um inquerito sobre a evolução do trajo nas regioes serranas do norte, chegando ao resultado que deixámos já incidentemente indicado, e que o auctor resume d’esta fórma: «Há que banir a convicção ainda admittida da persistencia, nos retiros montanhezes, de velhos padrões de trajo. É certo em Miranda subsistir a capa de honras como agasalho preferivel, mas já raramente se encontra a gorra com as beiras dobradas para cima, a jaqueta com botões do mesmo panno e gola alta, o collete de trespasse e dobras, os calções de alçapão e até as polainas. De ordinario as peças que os velhos ainda conservam, ou já as não usam ou as utilisa, com roupas d’outro corre. [Faz referência a diversas peças de roupa tradicional que deixaram de se usar, existindo apenas guardados, para concluir:]
Les dieux s’em vont, e com elles, naturalmente os costumes e os vestuarios do saudoso tempo do seu culto.”


n. id.. - "Costumes Portugueses, O Vestuario Serrano"
in Illustração Portugueza
de 23 de Setembro de 1907, nº. 83-2s, p. 409-414 (páginas completas). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=3692.
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