Determinismo e livre arbitrio
Ainda a proposito do apparecimento do 1.º volume da obra do sr. padre Sant’Anna «O materialismo em face da sciencia» – resposta ao livro do sr. dr. Bombarda – «Consciencia e livre arbítrio» – diremos que, antes d’estes dois contendores, outros teem debatido esses mesmos assumptos entre nós. Assim, por occasião do processo Mariano da Cruz, publicou o sr. dr. Bernardo Lucas, advogado no Porto, um notavel trabalho – «A Loucura perante a lei penal», sustentando o determinismo contra o livre arbitrio; contrariamente o sr. dr. Ferreira Deusdado, no seu não menos notavel livro «Anthropologia Criminal», defende o livre arbitrio contra o determinismo.
Por outro lado, appareceram em 1890, impressas na Typographia Universal, duas obras muito interessantes e muito documentadas, devidas ao sr. dr. Armelim Junior, a primeira sob o titulo «O Tabaco e o Alcool – estudo medico, economico e juridico (Anthropologia e Educação)», e a segunda «Questões de responsabilidade Moral e Juridica – Responsabilidade civil e responsabilidade criminal – (Direito e Philosophia)» d’onde destacamos os seguintes periodos, que indicam a orientação do seu auctor, que se afasta dos exageros das duas escolas extremas.
- “Se a «theoria dos meios – escreve o illustrado e conhecido advogado – implica o grave problema do «determinismo» e do «livre arbitrio», a este problema estão intimamente connexas as magnas questões de responsabilidade moral e juridica, civil e criminal, que constituem a materia d’este livro, cujo auctor – não tendo nunca podido acostumar-se a pensar por procuração, nem a curvar-se perante a auctoridade de nomes, senão perante a auctoridade de razões, que é a ingente e inelutavel força dos argumentos, – emitte aqui opiniões muito e exclusivamente suas, desviando se quanto possivel, das duas correntes determinista e livre arbitrista, extremos e exclusivistas, fonte de tantos erros e crassas inexactidões.”
E n’outra parte explica, n’esta synthese: “O livre arbitrio é, incontestavelmente, um factor importante na geração dos phenomenos sociaes, como o é na evolução historica das sociedades. Negal-o é negar a experiencia de todos os dias, e rasgar as paginas as mais brilhantes da historia.
“Desgraçadas as acções, e desventurados os homens que, não obstante mesmo as multiplas e variadissimas fatalidades da existencia, não teem a intima consciencia d’essa força potentíssima, que se chama a «Vontade livre», a «Liberdade humana». Nações e «Homens d’estes – servindo-me da eloquencia brilhantissima de um nosso primoroso escriptor – são incapazes de fincapé para qualquer resistencia, e o seu destino moral é obedecerem passivamente á corrente das cousas, como as podridões das ruas obedecem á passagem do enxurro que as leva ao sumidouro.”
“O verdadeiro experimentalist (sic) – aquelle que observa, apprehende, disseca e analysa os factos, sem preoccupações de escolas nem de systemas preconcebidos – attesta que ao lado, parallelamente, d’estes factos volitivos, mais ou menos livres, e cujo caracter é a mobilidade, outros existem, constantes, permanentes, fataes.
“Attesta que no homem – o grande agente da producção scientifica artistica, economica e industrial – ha uma potencia enorme a «Vontade livre», que, unida a «Razão», constitue a nobilissima «Personalidade humana»; «força de vontade» com que lucta e relucta, e bastas vezes vence, em certos limites, não sómente as influencias mesologicas e sociaes – senão tambem a si mesmo, a sua propria natureza, as suas paixões e vicios, as suas impulsões morbidas á maldade e ao crime.
“É então que o homem é verdadeiramente «homem»; o mais excellente de todos os seres da creação e o mais digno dos seus altissimos destinos.
“Como se vê, nós, os sectarios do methodo experimental, – o unico verdadeiramente scientifico – nem nos «submettemos ao despotico jugo do fatalismo», nem descambamos para o extremo opposto, que é grande erro das escolas metaphisicas, de evangelisar uma liberdade absoluta, que é uma perigosa utopia, pela qual se cria, arbitrariamente, um homem imaginario, sem realidade objectiva, completamente subtrahida a todas as influencias mesologicas.
Mais uma vez, em minhas locubrações, verifico a exacção e profundeza do judicioso conceito de Gerurer:
«Il y a toujours entre les extremes un milieu que l’on néglige aux dépens de la vérité.»
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