Conferencia realisada no dia 28 do corrente mez, pelo sr. tenente-coronel Francisco Affonso Chaves, no Atheneu Commercial de Ponta Delgada
Ha cerca de tres annos fui procurado por um dos nossos floricultores que residiu durante annos na America.
Expoz me então as difficuldades com que luctava na sua industria, pois os ultimos annos tinham sido irregulares emquanto ás epochas de chuva e de bom tempo, difficuldades que se aggravavam para elle n’aquella occasião, com a necessidade de renovar o arrendamento de grandes porções de terreno por demorado praso.
Vinha pois procurar-me para eu lhe indicar qual o tempo que devia succeder nos dois proximos annos, para assim resolver o fechar ou não o dito contracto de arrendamento, visto que os annos muito sèccos eram maus para as suas culturas; accrescentandoque me fazia a pergunta porque nos Estado unidos sabia-se qual o tempo que havia de vir com grande antecedencia.
Como não me era pedida uma lição de meteorologia, mas só era desejada uma previsão do tempo para dois annos, respondi-lhe que nem para o dia seguinte eu podia dizer, com certeza, se choveria se não.
Para tão longo praso só tive este pedido de previsão, mas para períodos mais curtos tenho tido muitos.
Certamente ainda hoje é bem lembrado o terrôr que ha annos houve na Europa com a prophecia de Falb de acabar o mundo no dia 18 de Novembro de 1899.
Este falso propheta, e outros muitos, que de tempos a tempos apparecem, especialmente aquelles que indicam futuros tremôres de terra, são a causa de muitas perguntas que me fazem. Ha quatro annos o tremôr de terra prophtisado devia succeder nos Açôres e então fui procurado por pessôas que eu julgava (e continuo a julgar) intelligentes e illustradas, que me perguntavam (não porque se preoccupassem com a prophecia, mas a pedido de pessoas de familia) o que é que eu pensava a respeito de tal tremôr de terra.
Ultimamente porém as perguntas versam sobre o que eu penso acerca do fim do mundo produzido pelo cometa de Halley, o que, então me dizem, succedera no proximo mez de Maio.
Com esta pequena introducção parece me que explico como se tem accentuado no meu espirito a conveniencia, para não dizer a necessidade, de escolher para thema de uma das Conferencias do Atheneu Commercial, o estado actual da sciencia com relação à previsão do tempo, e dos tremôres de terra, do que tratarei detidamente n’uma proxima conferencia, occupando-me hoje em expôr rapidamente a causa, para muita gente, da confusão dos estudos meteorologicos com os astronomicos, o nenhum valor de pretendidas previsões de tempo; terminando por tratar da alteração atmospherica que possa produzir a cauda do cometa de Halley, quando em Maio proximo passar pela Terra, se é que passar.
A sucessão da noite ao dia, a variação da temperatura na superficie da terra devida às posições do Sol, as phases da Lua, os aspectos variaveis do ceu, e tantos outros phenomenos naturaes, certamente impressionaram os homens, desde o seu apparecimento sobre a Terra, e tendo elles muitas vezes necessidade de procurar prevêr certos phenomenos atmosphericos, naturalmente os relacionaram com os movimentos do Sol e da Lua, que eram os astros que mais os impressionavam, e que mais regularmente viam deslocar-se na abobada celeste.
Foi assim que os estudos respeitantes aos astros, isto é, a Astronomia, e os dos movimentos atmosphericos e do interior da Terra, hoje reunidos em geral sob o nome de Meteorologia (dynamica e endogenea), foi assim que taes estudos por muitos seculos progrediram, mas um pouco confundidos.
No conhecido Livro biblico de Job, escripto bastantes seculos antes do nascimento de Cristo, n’elle se encontra bem expressa esta mistura das duas futuras sciencias, quando Job, referindo-se ao poder humano, diz: “Poderás tu approximar as estrellas das Pleiadas, e dispersar as que formam o Oriente? Conhecerás tu a ordem do ceu, e a sua influencia sobre a terra? Elevarás tu a tua voz até às nuvens, e correntes de agua descerão sobre ti? Arremessarás tu o raio? E conseguindo-o na sua volta dir-te-ha elle “Eis-me aqui!”.
N’esta apostrophe vemos mais que em tempos tão remotos já o homem pensava, como hoje, em subjugar as forças naturaes.
A par com os desejos de conhecer as leis que regem os movimentos dos corpos celestes e os da atmosphera, um outro, bem extraordinario, se desenvolveu; o de descobrir uma influência dos astros no destino dos homens, isto é, a Astrologia.
Astronomia, Meteorologia, Astrologia, foram por muito tempo designações confusas, que ainda hoje assim se conservam para muitas pessoas, mesmo de alguma instrucção no que respeita ás duas primeiras sciencias; porquanto a Astrologia, só os muito ignorantes n’ella crêem.
A que é devido o continuar tal confusão?
Primeiramente ao facto do homem ser um animal mystico, como diz Faguet, um dos mais eminentes criticos dos nossos dias, que apresenta como axioma o seguinte: “O homem tem necessidade de acreditar n’alguma coisa que não esteja demonstrada”.
Em segundo logar tal confusão é devida á exploração innocente, ou malevola d’esta imperfeição humana.
Esta exploração é bem manifesta em publicações de uma certa auctoridade, nas quaes se indica não só o tempo que deve haver nos differentes dias do anno, devido à conjuncção de certos astros, como se mostra a influencia d’estes no futuro das pessoas que nascerem quando elles brilhem no firmamento!
A quantas pessoas tenho eu ouvido citar o Almanach Hachette, o de Bertrand, e outros, como auctoridade na materia e fóra da cidade como se aprecia a Folhinha de Ayer, que tanto serve para por ella se conhecer quando haverá tempo propicio para as sementeiras, e depois para as colheitas!
Como é que pensando um pouco sobre o valor de taes previsões, não se lembram as pessoas crentes, a quem me refiro, que sendo taes publicações lidas em differentes regiões da Terra, onde largamente são espalhadas, como se não lembram, como não reconhecem que é impossivel succeder o mesmo tempo, no mesmo dia, em taes regiões!
Não se observa facto analogo com a creança na influencia da Lua sobre o tempo?
Um exemplo, entre milhares para mostrar o não valor de tal crença. Em 3 de Agosto de 1899 formou-se uma depressão atmospherica a 600 milhas ao sudoeste do archipelago de Cabo Verde, depressão que com relativo vagar se dirigiu para as Antilhas onde passou a 8 d’esse mez, a 13 começou a fazer sentir os seus effeitos destruidores no Sul dos Estados Unidos, e depois de correr vagarosamente ao longo da sua costa oriental durante seis dias, n’uma extensão de cerca de 400 milhas (pouco mais de metade da distanciade Ponta Delgada a Lisboa) affastou-se no dia 19 quasi que perpendicularmente de tal costa, dirigindo-se para a Europa. No dia 3 de Setembro passa muito perto da ponta noroeste d’esta ilha de S. Miguel (fazendo-se sentir então os seus effeitos com o naufragio da barca “Helena” no nosso porto), e dos Açores chegou ás costas da França quatro dias depois, indo terminar a 9 de Setembro no Mediterraneo.
Esta depressão começou pois perto da lua nova (esta a 5 de Agosto), e percorreu o seu demorado trajecto durante o quarto crescente (a 14), a lua cheia (a 20), o quarto minguante (a 27), e outra lua nova (a 4 de Setembro).
Quantos navios soffreram durante tão longo periodo, e nas mais diversas paragens e condições, os effeitos de tal cyclone, uns com lua nova, outros com quarto crescente, e assim successivamente; e quantos tripulantes d’esses navios não attribuiriam a qualquer phase da Lua a tempestade que reinou durante diversas d’essas phases, e não durante uma só!
Se procurasse demonstrarvos como outros exemplos bem frisantes o nenhum valor meteorologico de tantas crenças populares, como as de certas influencias do Sol e da Lua sobre o tempo que reina em certas epochas do anno, e mesmo em certos dias (como a de soprar vento do Norte á meia noite de 24 de Dezembro) etc., necessitaria de abusar da vossa paciencia durante horas e horas. Tal não farei.
Continuo, porem, a tratar da exploração a que me referi, como causa da mencionada confusão.
É tal exploração mais manifesta com os prophetas que de tempos a tempos apparecem e muitos d’elles são acceitos pelo animal mystico, com o mais favoravel acolhimento.
São elles os elementos de maior influencia para a conservação dos erros a que tenho alludido. Muitos apresentam theorias tão estravagantes, que cahem logo pelo ridiculo, como a d’aquelle que ha poucos annos imaginou haverem em volta da Terra cinco anneis atmosphericos, que baptisou com os nomes de Rei Alberto, Copernico, Bismarck, Moltke e Imperador Guilherme, anneis que davam chuva e bom tempo; mas outros sob a enganosa capa d’uma linguagem pseudo-scientifica, com uma mistura de indicações meteorologicas e astronomicas, conseguem durante annos e annos ter os seus crentes!
Para não citar outro, lembremo-nos de um que entre nós teve fama: Noherlesoom!
Por quanto tempo as suas previsões de depressões no Atlantico e na Peninsula, de tantos a tantos, mas sempre muitos dias, tiveram larga acceitação
Só o nome do homem, Noherlesoom, era o sufficiente, estou certo d’isto, para incutir em muita gente uma idéa favoravel sobre os seus conhecimentos. Não era um Francisco ou José qualquer!
Se soubessem, porêm, o que representava aquelle nome, quanto elle desceria no conceito dos seus crentes!
De facto o hespanhol Noherlesoom, antes de se lançar na proveitosa profissão de propheta do tempo, era um modesto caixeiro de uma livraria, e chamava-se “Leon Hermoso”. Ora leão formoso é um nome muito vulgar para qualquer, especialmente para quem tem de se impôr aos outros, não pelo seu saber positivo, mas pelos seus conhecimentos de principios desconhecidos.
O que fez o homem? Lembrou-se de que podia dispôr á sua vontade das lettras de Leon Hermoso, e por modo impressionante; e com ellas arranjou o anagrama “Noherlesoom”!
Muitos outros factos analogos poderia indicar para demonstrar a pouca seriedade d’estes exploradores da credulidade de muita gente, mas hoje terminarei aqui estas referencias á previsão do tempo, visto que na proxima conferencia espero mostrar-vos o quanto ha de errado em muitas affirmações que correm com um falso cunho de sciencia, pois vos exporei tão claramente como o saiba expôr, o que scientificamente se sabe ácerca de tal previsão, e da dos tremores de terra.
Francisco Afonso Chaves - "A previsão do tempo, e a dos tremores de terra. A passagem da cauda do cometa de Halley pella terra"
in Diário dos Açores
de 30 de Abril de 1910, nº. 5654, p. 1 (col. 1-5). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=638.