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Texto da entrada (ID.639)

Conferencia realisada no dia 28 de abril ultimo, pelo sr. tenente-coronel Francisco Affonso Chaves, no Atheneu Commercial de Ponta Delgada

Occupemo-nos do Cometa de Halley.

Desde tempos muito remotos a humanidade tem sido abalada com a idéa de que o mundo vae acabar n’um dia certo.

No seculo passado, durante o qual todos nós vivemos mais ou menos annos, não menos de quatro datas foram marcadas para o fim do mundo: as de 13 de Janeiro de 1819, 29 de Outubro de 1832, 13 de Junho de 1857, e 13 de Novembro de 1899, não me referindo á de 30 de Junho de 1861, dia no qual parece que a Terra e a Lua estiveram dentro da cauda do cometa d’aquelle anno, cauda que tinha uma extensão de 24 milhões de kilometros.

Vemos pois que a prophecia do fim do mundo para Maio proximo, não nos deve causar admiração pela novidade. É a repetição de centenaresfeitas desde antigas epochas!

Se nos lembrarmos que n’este meio sem fim no qual a Terra, o Sol, os planetas e innumeras estrellas se deslocam continuamente, se nos lembrarmos que n’este meio fluctuam não menos de muitas dezenas de milhões de cometas galopando cem, e mesmo milhares de vezes mais rapidamente do que o comboio mais veloz que corre sobre a Terra, e que elles se deslocam nas mais variadas e desconhecidas direcções, é evidente que quem queira pensar n’uma causa para o fim do mundo póde encontra-la facilmente no choque de um cometa com a Terra. Occupar-nos-hemos de tal hypothese, mas antes tratemos de taes astros errantes.

Um cometa, como por todos é sabido, compõem-se sempre de um nucleo, rodeado por uma cabelleira, cujo conjuncto forma a cabeça do cometa, e em geral por uma cauda.

O nucleo segundo a opinião de um certo numero de astronomos, não é composto só de gazes, como o é a cabelleira e a cauda, mas por uma agglomeração de elementos solidos, desde simples poeira até bocas de poucas dezenas de toneladas. Estas pedras (permitta se me a expressão) estão separadas umas das outras não formando assim um todo unido, de modo que sendo, como se julga serem de pequenas dimensões, e achando-se separadas, póde-se imaginar um tal nucleo passando com enorme velocidade entre a Terra e uma estrella não se note da Terra o desapparecimento da tal estrella, e ella se continue a vêr, como succede sempre quando a cabelleira ou a cauda (estas só gazosas) em frente d’ella passem.

O nucleo de um cometa tem dimensões muito variaveis, o do cometa de 1805 tinha o diametro de 48 kilometros (pouco mais do que de Ponta Delgada ás Furnas) o do cometa de 1769 45.000 kilometros, o do cometa de Janeiro ultimo, 5.000 kilometros.

A outra parte importante do cometa, a sua cauda, tem tambem um comprimento muito variavel, mas que já não é de milhares, mas de milhões de kilometros, e como as distancias expressas por tão grandes numeros não são talvez facilmente apreciaveis, vou recorrer a exemplos muito classicos e conhecidos, mas sempre de util applicação, para dar uma idéa da grandeza da cauda de um grande numero de cometas.

Da Terra ao Sol ha uma distancia de cerca de 148 milhões de kilometros, e para este numero peço a vossa attenção; isto é, que o fixeis, pois elle nos servirá de termo de comparação quando indicar o comprimento das caudas dos cometas.

Se imaginarmos possivel o larnçarmos da Terra para o Sol um projectil que seja expellido por um canhão, da boca do qual saia com a velocidade de 500 metros por segundo, ou sejam 30:000 metros (como de Ponta Delgada a Ponte Garça) por minuto, tal projectil, sempre a deslocar-se com tão enorme velocidade, chegaria ao Sol quasi dez annos depois.

Em substituição de comparação feita por meio de corrigida tão vertiginosa empreguemos uma outra, a de uma locomotiva que pudesse atravessar em pouco menos de uma hora esta nossa ilha de S. Miguel, da ponta dos Mosteiros à do Nordeste, isto é, na sua maior extensão.

Tal locomotiva que se deslocaria com a velocidade de 80 kilometros por hora, partindo agora da Terra chegaria ao Sol no anno de 2121, portanto d’aqui a 211 annos.

Voltemos ao comprimento da cauda dos cometas.

Algumas d’ellas são muito pouco extensas, com relação a outras, por exemplo a do cometa de 1861 que tinha 24 milhões de kilometros, portanto menos de um sexto da distancia da Terra ao Sol, mas outras como a do grande cometa de 1843, são bem mais extensas, tendo a d’este ultimo 320 milhões de kilometros de extensão, isto é, mais de duas vezes o espaço que separa o Sol da Terra.

A cauda do cometa de Janeiro ultimo tinha o comprimento de 110 milhões de kilometros.

Esta variação tão grande que se tem observado na grandeza do nucleo e da cauda de differentes cometas, observa-se no mesmo cometa em epochas diversas do seu apparecimento; tendo já succedido não só o mesmo cometa apresentar-se com outro aspecto, como o de separar-se em dois ou mais, e até desapparecer.

D’estes dois milhões de astros errantes ha hoje apenas dezoito dos quaes se conhece o seu periodo de revolução, de modo que o seu apparecimento pode ser indicado com grande antecedencia. D’elles o que apparece mais amiudadamente é o cometa de Encke, observado desde 1786, o qual gasta na sua revolução sideral um pouco mais de tres annos, e o de mais demorada revolução é o de Halley, agora visivel, que desde 467 annos antes do nascimento de Christo apparece com o intervallo médio de 75 annos.

Este cometa appareceu em 1682 e então o astronomo Halley identificando-o com um que tinha apparecido em 1607 (75 annos antes), e com outro de 1531 (76 annos antes de 1607), pôde predizer a sua nova apparição em 1758, tendo voltado então como se esperava e depois em 1835.

Em Setembro de 1909 ainda invisivel mesmo quando observada a região do ceu onde o calculo indicára devia apparecer, foi a sua presença revelada em tal região n’uma photographia, feita prepositadamente para o descobrir, e pouco depois era observado com auxilio de poderosos telescopios, estando porém hoje já visivel à vista desarmada.

Como naturalmente desejareis observa-lo, indico a parte do ceu onde ella apparece com pouco brilho, e apparecerá até ao meado de Maio proximo, pois desde o dia 19 em diante deve facilmente vêr-se depois do pôr do Sol.

Agora e na proxima semana apparece proximo do planeta Venus, e um pouco acima e ao Norte d’elle. Indico Venus com astro de referencia visto que sobre a madrugada nenhum outro brilha como elle para o lado da Ponta da Galera, entre esta e a Lagôa. A melhor hora de observação é a das tres horas e meia da manhã, até ás quatro e então vereis o cometa sobre a Serra de Agua de Pau.

Nunca o cometa de Halley appareceu com o grande brilho com o qual têm apparecido muitos outros, especialmente o do cometa, que já citei, de 1843, tão brilhante que foi visto pela primeira vez em pleno dia!

Se em 1456 o cometa de Halley aterrou um grande numero dos habitantes da Europa, não foi tal terror devido à sua grandesa, mas á crença então arreigada, mesmo nas mais elevadas classes, de que taes astros eram signaes certos de grandes desgraças, e em 1456 os Turcos capitaneados por Mahomet II, já senhores de Constantinopla, ameaçavam invadir os paizes christãos, estando então a cercar Belgrado.

Nas suas duas ultimas apparições, em 1759 e 1835, passou este cometa quasi que despercebido, tão pouco brilhante foi; a não ser dos astronomos e dos comtempladores das bellesas do ceu.

Conclue


Referência bibliográfica

Francisco Afonso Chaves - "A previsão do tempo, e a dos tremores de terra. A passagem da cauda do cometa de Halley pella terra" in Diário dos Açores de 2 de Maio de 1910, nº. 5655, p. 1 (col. 1-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=639.



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