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Texto da entrada (ID.642)

Conferencia realisada no dia 28 de abril ultimo, pelo sr. tenente-coronel Francisco Affonso Chaves, no Atheneu Commercial de Ponta Delgada

Actualmente a Astronomia só fornece elementos para se conhecer a orbita dos cometas, e por isso póde conhecer-se com rigôr quaes as posições da Terra e do cometa de Halley em determinada epocha; mas não se póde indicar se elle apparecerá com um maior ou menor nucleo, com uma cauda mais extensa ou mais diminuta, do que em apparições anteriores. É este um facto para o qual chamo a vossa attenção.

O encontro de um cometa com a Terra póde succeder chocando esta o nucleo do cometa, ou atravessando a sua cauda. O primeiro encontro parece que deve ser perigoso, se é que o nucleo é formado por blocos solidos, mesmo que elles sejam pequenos.

Imaginemos qual seria o effeito de milhares de milhões de projecteis animados com velocidades não de centenas de metros por segundo, como os dos nossos mais poderosos canhões, mas de milhares de metros de velocidade, imaginemos qual seria o effeito destruidor de taes projecteis sobre a Terra!

Como disse julgam muitos astronomos que o nucleo dos cometas não é completamente gazoso, e por isso imaginei esse effeito destruidor, mas a verdadeira composição do nucleo cometario não se pode ainda assegurar ser esta.

No caso actual não tem mesmo importancia a composição do nucleo do cometa de Halley. Tal nucleo de 18 para 19 de Maio estará entre a Terra e o Sol, a 128 milhões de kilometros d’este e a cerca de 23 milhões de kilometros da Terra, e como já indiquei o maior nucleo cometario observado nem a cincoenta mil kilometros chegava.

Como acabo de dizer o cometa estará então entre a Terra e o Sol, e visto este exercer uma acção repulsiva sobre os gazes que formam a cabeça do cometa, serão elles prolongados para o lado opposto ao Sol formando a cauda que é provavel envolva a Terra, pois é de esperar tenha mais de 23 milhões de kilometros de extensão.

Vemos pois que não ha certesa mas simples probabilidade de ficar a Terra durante algum tempo de 18 para 19 de Maio proximo, dentro da cauda do cometa de Halley.

A affirmação nua e crua, de que este facto succederá, acompanhada com considerações sobre os effeitos do cyanogeni (simples palavra sem sentido para muitos que fallam em tal elemento mortifero!) esta affirmação feita por pessoas mal intencionadas ou levianas, tem aterrado muita gente, e por isso parece-me que faço serviço util expondo-vos o que determinou as taes referencias terroristas ao cyanogenio, na hypothese da cauda do cometa nos alcançar, o que ninguem póde affirmar succederá.

O cyanogenio é um gaz que se encontra livremente, e n’uma certa quantidade, n’um meio em que tenhamos de respirar nos matará, por ser muito venenoso. É bem conhecida a sua composição e os seus effeitos, pois se prepara facilmente nos laboratorios. Existe livremente na cauda do cometa de Halley, como na de muitos outros d’estes astros.

Como se póde affirmar que existe tal gaz na cauda de um cometa? É a pergunta á qual vou procurar responder.

Que deem um pedaço de uma rocha a um mineralogista, um liquido qualquer a um chimico, e que delles sujeitando taes corpos á acção do calor, da electricidade, de reagentes, empregando instrumentos apropriados, possam conhecer quaes são os elementos que compõem a dita rocha ou liquido, tal affirmação certamente não repugna ao espirito de qualquer pessoa, mesmo pouco instruida. Mas affirmar que no Sol, n’uma estrella, n’um cometa ha ou não ferro, oiro, etc. não é para muitos affirmação crivel, e comtudo por vezes é mais facil verificar se ha, por exemplo, ferro na estrella a mais longiqua do que no pedaço de rocha ao qual ha pouco me referi.

Todos nós temos visto fogos de artificio, e então teremos notado que n’elles brilham luzes de côres mui differentes. Assim se em taes fogos entrar como elemento principal da mistura o stroncio, a luz será vermelha, branca se fôr o magnesio, amarellada sendo o sodio, etc.

Vemos pois que pela simples observação da côr da chamma podemos conhecer qual o corpo que predomina na composição incandescente.

Não é pela côr da luz do Sol, das estrellas e dos cometas que se conhece a sua composição; a solução do problema não é tão facil; mas com esta indicação de que a cor de uma chamma nos póde dar o conhecimento da composição de certos corpos, parece-me que se fica, como que melhor preparado para a comprehensão do que seja a analyse espectral.

A luz do Sol e a emittida por milhares de astros, não é simples, não é só uma.

Se fizermos passar a luz solar por um prisma de vidro, vemos que ella de decompõe, apparecendo-nos uma faxa colorida com sete cores, vermelho, alaranjado, amarello, verde, azul, indigo e violeta. A esta faxa chama-se o espectro solar.

No arco-iris todos temos observado esta decomposição da luz do Sol.

Se em logar da luz d’este astro decomposermos a luz d’uma estrella, ou de um cometa, observaremos o espectro d’essa estrella ou do cometa. Examinando esses espectros veremos n’elles uns traços, umas riscas, cujo numero e disposição variará de estrella para estrella, de cometa para cometa.

Este mesmo processo de analyse se póde empregar observando o espectro que produzirem os gazes incandescentes do ferro, do oiro, ou de qualquer outro corpo.

Para fixarmos idéas: Supponhamos (tal não succede) que no espectro do oiro ha duas das riscas que indiquei, cada uma quasi que na extremidade do espectro respectivo, e que no do ferro ha só uma risca, e esta extactamente no meio d’elle. Se no espectro do cometa de Halley, por exemplo, observarmos só uma risca, e ella estiver ao meio d’elle, concluimos que os gazes que formam o cometa são só do ferro, se o dicto espectro tiver uma risca ao meio, e duas nas extremidades, saberemos que taes gazes são de ferro e de oiro.

Eis muito resumidamente o que é a analyse espectral, e uma das suas maravilhosas applicações.

É ella que nos revela com o maior rigor a composição de certos astros, foi por meio d’ella que se soube haver cyanogenio na cauda do cometa de Halley.

Infelizmente tal processo não nos indica a quantidade, a proporção, a combinação na qual se encontram os elementos por ella revelados.

Imaginando que de outro qualquer mundo os seus habitantes pódem conhecer pela analyse espectral a composição da atmosphera terrestre, encontrarão n’ella corpos como o azote e o carbone (elementos constituintes do cyanogenio) que são improprios para a vida, por isso poderão julgar, taes habitantes, que a Terra é inhabitavel o que não succede, porque a atmosphera terrestre é composta com os ditos gazes (e outros) mas em condições taes que elles não são causa da destruição da humanidade.

Não podemos portanto saber em que proporção existe o cyanogenio na cauda do cometa de Halley, nem mesmo se tal cauda chegará à Terra; mas pensemos o peor, isto é, que ella envolve o nosso planeta, e é rica em cyanogenio.

Já vimos que as caudas dos cometas são formadas por gazes tão rarefeitos, que através d’ellas se veem sem diminuição de brilho as estrellas de menor grandesa, e sabe-se que a atmosphera terrestre tem uma densidade comparativamente a taes gazes muito superior á da do ferro com relação á mesma atmosphera, portanto se a Terra atravessar a cauda do cometa de Halley fal-o ha como se um projectil de ferro animado com uma velocidade superior a 70 kilometros por segundo atravessá se a atmosphera terrestre! Só na superficie de tal projectil (e nós n’esta comparação estamos bem para dentro d’ella) é que se poderia sentir o effeito de tal passagem.

Resumindo:

1º - Não de póde saber qual será o comprimento da cauda do cometa de Halley, de 18 para 19 de Maio, e portanto ninguem sabe se ella envolverá a Terra.

2º - Não se sabe em que quantidade existe cyanogenio em tal astro.

3º - Mesmo que a cauda do cometa envolva a Terra, tal phenomeno não é perigoso para a humanidade.

Julgo ter demonstrado que honestamente ninguem pode aterrar outrem com a passagem em Maio proximo do cometa de Halley, cujo nucleo estará de 18 para 19, a 23 milhões de kilometros da Terra.

E certo que ha pessoas infelizes que vivem em continuo susto, temendo o serem atropelladas por um automovel, o cahir lhes em cima da cabeça uma pedra, o serem fulminadas por um raio; e essas pessoas nunca poderão ser convencidas que não devem levar uma vida atribulada com o receio dos tremores de terra, de violentos temporaes, ou de poder ser um dia a Terra destruida por um cometa qualquer, porque estes astros, como vagabundos, são mais numerosos no ceu do que os peixes nos oceanos com dizia Kepler, e o encontro da Terra com o nucleo (com o nucleo, repare-se bem) de um cometa parece que não deve deixar de ser desastroso para nós; mas, certamente entre os que com tanta benevolencia me ouviram não existe nenhuma de taes pessoas timidas.

Creio pois que d’aqui sahiremos todos não só livres de temor de que o mundo acabe em Maio, mas com conhecimentos que nos permittam convencer os sensatos da não rasão dos sustos a tal respeito.


Referência bibliográfica

Francisco Afonso Chaves - "A previsão do tempo, e a dos tremores de terra. A passagem da cauda do cometa de Halley pella terra" in Diário dos Açores de 3 de Maio de 1910, nº. 5656, p. 1 (col. 1-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=642.



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