Mal se imagina o terror que desceu às camadas populares.
Ao passo que as classes illustradas se acham tranquillas, vae entre a gente menos lida e no povo completamente ignorante, especialmente no elemento feminino, um pavor de sobresalto pela passagem do cometa de Halley (estrella de rabo, como em linguagem rude lhe chamam).
E o mais curioso, e o peor de tudo ainda, é que esse pavor parece difficil de vencer, porque se lhe associa a idéa de que tudo quanto agora se diz de não ser perigoso o cometa, é só para animar o povo.
No emtanto, urge trabalhar por destruir tanto quanto possível essa falsa idéa de um proximo perigo.
O que agora se diz tem acontecido n’outras occasiões.
Nada acontecerá à humanidade, nem à terra. Diz Flammarion que é provavel que a maior parte dos mortaes nem dê pelo facto da passagem da terra pela cauda do cometa, só interessante para a sciencia, facto que ainda assim parece que se não dará.
Julgamos conveniente reproduzir aqui o que segue:
“A proxima visita do cometa Halley está sendo um assumpto diariamente explorado pela imprensa indigena, que amontôa sobre o caso uma série indefinida de factos e até de phantasiosas e ridiculas invenções, muito proprias a alarmarem o espirito publico, sempre assaz propenso a acreditar em tudo o que envolve um mysterio, assombro, terror.
(...)
O Halley é já com esta a 25ª vez que passa junto da terra, desde o anno 12 antes de Christo, epoca até onde os sabios puderam fazer remontar o seu apparecimento, desde que foi conhecida a sua orbita. Não obstante, ainda nenhum incommodo nos causou.
Sobre os resultados que poderiam derivar do provavel encontro da terra com o cometa, dividem se muito as opiniões dos astronomos, por isso mesmo que não é bem conhecida a materia de que os cometas dão formados. Segundo um d’elles, conceituadissimo, o illustre Moreux, d’esse encontro, se acaso se désse, apenas resultaria uma abalo parcial, no ponto de juncção, semelhante ao que produz um tremor de terra. Outros affirmam que nem esse abalo se sentiria, porque o cometa se desfaria já de encontro á atmosphera, antes mesmo de esbarrar com a terra, de ahi derivando apenas effeitos electromagneticos. Suspeita-se, com muito fundamento, que o cometa Biela se esfrangalhou já n’um encontro d’esses, e não consta que nenhum planeta fosse perturbado por esse facto.
Demais, é positivo que o Halley não chocará com a terra, é apenas provavel que tenhamos de atravessar a sua cauda. Mesmo que isso se dê, porém, nenhum mal nos advirá pois já em 1861 egual facto se deu com outro cometa, e os nosso grandes sabios só o notaram depois de elle haver atravessado.
(...)
É necessario que os parochos nas suas missas conventuaes e nos pulpitos, e que os professores nas suas cathedras de ensino, façam constar aos fieis e aos alumnos que nenhum receio devem ter pela passagem do cometa, cuja approximação se annuncia.
[n.d.] - "O cometa - Nada de sustos – A humanidade não é envenenada – Nenhum mal lhe acontece"
in Diário dos Açores
de 10 de Maio de 1910, nº. 5661, p. 2 (col. 3-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=648.