Na sala “Algarve” da Sociedade de Geographia, realisou uma interessantissima conferencia sobre o cometa de Halley, o distincto astronomo açoreano, sr. tenente Mello e Simas, que esteve alguns annos n’esta ilha, conferencia promovida pela Academia de Sciencias de Portugal, assistindo, além de grande numero de academicos, bastantes socios d’aquella Sociedade, muitas senhoras e uma verdadeira multidão de pessoas das classes sociais mais illustradas.
Presidiu o sr. dr. Theophilo Braga, secretariado pelos srs. Antonio Cabreira e Levy Bensabat.
(...) ( as conclusões foram as seguintes:)
Ha realmente bastantes probabilidades de que a Terra atravesse a cauda do cometa de Halley; mas que, mesmo admittindo como certa e segura essa travessia, d’ahi não resulta para nós o menor inconveniente. Muitos imaginam que no dia 19 verão o astro em toda a sua magnificencia. É um engano. Nós nem daremos por semelhante facto.
Em seguida descreve qual deve ser a constituição de um cometa, à luz dos modernos processos scientificos; mostrando que os effeitos que haveria de esperar poderiam ser de tres ordens: mechanicos, calorificos e chimicos, ou melhor physiologicos.
Os primeiros consideram-se nullos ou quasi nullos, porque a massa dos cometas é infinitamente pequena, e essa mesma, no proprio nucleo, está extremamente dividida, de modo que ainda que a Terra fosse chocada por aquelle nucleo, o que está muito longe de ser o caso actual, nem isso seria prejudicial para nós, manifestando-se-nos apenas sob a forma inoffensiva de uma chuva de estrellas cadentes. E se não passaria d’isso, no caso mais desfavoralvel, conclue que seria realmente extravagante temer qualquer accidente passando o nucleo a 23 milhões de kilometros da nossa terra. As caudas cometarias são quasi immateriaes, e teriamos tanto a recear da sua approximação como se não passassem de simples illusões opticas, isso é, nada.
Referindo-se aos effeitos calorificos diz que pela mesma razão da insignificancia da massa, o calor armazenado deve tambem ser extremamente pouco, visto que só a materia o armazena, e que se tivessemos para aquecer-nos só o calor do cometa, correriamos sérios riscos de morrer gelados.
Pelo que respeita á acção de gazes deleterios sobre o nosso organismo, diz que n’aquelles astros não ha gazes taes como os observamos á superficie da Terra, a sua existencia seria incompativel com a insignificancia da força attrativa d’aquelles cosmos celestes. Mas ainda que os houvesse, a sua densidade seria tão diminuta que teriamos a proteger-nos a espessa couraça formada pela nossa propria atmosphera. O ar que respiramos, em presença dos materiaes de que se compõem aquellas caudas, é mais compacto de que o aço comparado com a nossa atmosphera. Temer pois qualquer perigo da travessia pela cauda de um cometa, seria tão ridiculo como estar n’um quarto forrado com paredes de aço de kilometros de espessura, e receiosos de que o vento nos viesse perturbar, ou que particulas arrastadas por este vento atravessassem os póros de todo aquelle aço e viessem produzir acções toxicas sobre o nosso organismo.
Expondo muito summariamente as theorias das caudas cometarias estabelece as relaçõs entre esse phenomeno e o das nossas auroras boreaes, especie de cauda rudimentar do globo terrestre, concluindo assim que se elles tivessem alguma acção nefasta sobre os organismos vivos, então a vida nunca teria existido á superficie da Terra.
Termina assim a parte verdadeiramente technica da sua exposição communicando que das suas ultimas observações, n’estes ultimos dias, parece inferir se que a cauda do cometa não chegará a attingir a extensão sufficiente para alcançar a Terra no dia 19, não fazendo essa communicação logo de começo para não tirar o interesse ao assumpto.
Passa em seguida rapidamente sobre a historia do cometa Halley, cuja primeira identificação remonta ao anno 467, antes de Christo, citando alguns factos notaveis e curiosos relacionados com apparições d’este astro, e fazendo notar que a successão das ideias que acolheram essas diversas apparições, constitue, por assim dizer, a historia da evolução intellectual, notando-se, mais ou menos distinctamente, a passagem do espirito theologico ao metaphysico e, por ultimo, ao positivo.
Indicando, finalmente, o principio da unidade das causas e leis reguladoras de todas as manifestações da Natureza, quer sejam mechanicas, physicas, ou mesmo naturaes ou psychicas, termina por se admirar como annos e annos de observação do nosso meio individual, não tivessem dado ainda a experiencia sufficiente para notar que a nullidade, a mediocridade ou a inutilidade, nunca tiveram outro meio comparativo que não fosse o espalhafato apparente, forçado ou imbecil, da sua propria ostentação.
O sr. Mello e Simas ao terminar a sua notavel conferencia, foi alvo de uma calorosa ovação por parte da assembleia.
[n.d.] - "O cometa de Halley - A conferencia promovida pela Academia das Sciencias de Portugal"
in Diário dos Açores
de 14 de Maio de 1910, nº. 5665, p. 2 (col. 4-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=657.