Relatorio acerca do serviço meteorologico dos Açores durante o anno de 1904
Continua pois o atraso nos methodos scientificos de previsão do tempo para alem de um dia.
A que será devido tal atraso?
Não estão a receber uma grande confirmação as affirmações feitas em 1902 pelo illustre physico inglês Schuster, na reunião da British Association em Belfast, affirmações concernentes á meteorologia?
Será a escravidão á continuidade das observações, o desejo de publicar indigestos mas grandes volumes de observações, ou o prurido de observar muito com a esperança de que um dia, em futuro bem problematico, taes observações serão uteis, que tem sido causa, como diz Schuster, da meteorologia ter progredido em despeito das observações, e não por causa d ellas?
Deixo porém de desenvolver estas e outras considerações, respeitantes aos progressos da meteorologia, de apreciar o valor meteorolgico das estações da Stornoway, da Islandia etc. a fim de tratar especialmente do papel que, me parece, os Açôres teem a desempenhar no serviço da previsão do tempo.
Há annos, quando se tratou da organização de um serviço meteorologico nos Açores com caracter internacional dizia [1] que tal serviço poderia fornecer elementos mais importantes para a previsão do tempo, do que os dados para o conhecimento da deslocação das depressões que nascem na America ou no Atlantico, mais perto dos Açores que do continente americano, e veem até as costas da Europa, pois tal instituição poderia indicar a posição e o desenvolvimento dos centros de altas pressões no archipelago dos Açores e na sua vizinhança.
De então até hoje o estudo das tempestades que teem passado neste archipelago ou perto d’elle teem confirmado tal affirmação.
Os Açores, considerados meteorologicamente sob este aspecto, são como uma montanha de ar de maiores ou menores dimensões e resistencia, de posição não fixa, e que urge bem conhecer para a previsão da deslocação das depressões que sobre tal montanha se dirijam.
Assim considerados os Açores, é necessario tambem saber se estão num regime de altas ou de baixas pressões, pois no primeiro caso as tempestades que sobre este archipelago se dirijam, encontrando a montanha resistente, veem morrer sobre ella, ou nas suas proximidades, ou d’ella se desviam e até retrogradam; e no segundo, tal montanha de ar, sendo pouco resistente, não amortece a força das tempestades, nem mesmo lhes altera a sua direcção.
Para quem quiser estudar exemplos bem caracteristicos d’estas situações meteorologicas, limitar-me-hei a indicar, para um regime de altas pressões nos Açores, as depressões atmosphericas de 20 a 21 de janeiro de 1898, 11 a 13 e 18 a 21 do mesmo mês de 1900, de 19 a 28 de fevereiro de 1898, 7 a 10 do mesmo mês de 1900, de 23 a 25 de abril de 1900 e de 19 a 21 de maio de 1899, e, para um regime de baixas pressões as depressões de 27 de janeiro a 8 de fevereiro de 1902, de 21 a 23 de amrço de 1897, 24 a 27 do mesmo mês de 1898, 23 a 25 ainda do mesmo mês de 1900, e a de 3 de agosto a 7 de setembro de 1899.
Evidentemente não pode ser feito tal estudo senão com cartas synopticas do tempo, e não comportando este relatorio a junção de taes cartas, lembro a que publiquei em 1909[2] de trajectorias de centros de depressões referentes aos Açores (carta que não é difficil de obter), e a leitura dos boletins meteorologicos respeitantes aos dias considerados.
Estudando, por exemplo, as tempestades indicadas pellas letras Q e R da alludida carta, e a situação meteorologica dos Açores de 4 de março a 15 de abril de 1898, veriamos o seguinte:
Altas pressões no archipelago de 2 a 19 de março (768,5 millimetros em media, e maxima no dia 5 de 774,8 millimetros), baixando rapida e seguidamente o barometro desde 13, de modo que no dia 22 já reinavam as baixas pressões (758, 4 millimetros) que predominam até 27 (744,3 millimetros) desde quando um regime anti-cyclonico se accentua até 15 de abril, dia no qual a pressão attingia 776,1 millimetros.
De 4 a 27 de março ha quasi constantemente um gradient medio de um millimetro entre as ilhas das Flores e a de S. Miguel, com pressões mais elevadas sobre as Flores, succedendo o inverso de 29 de março a 15 de abril, pois então predominaram as mais altas pressões no grupp oriental.
Nestas condições de regime da pressão atmospherica nos Açores, se formaram duas tempestades no Atlantico, que ambas covergiram para este archipelago; a primeira (Q da carta) a 23 de março, originada perto das costas da Terra Nova, aproximou-se das Flores no dia 25, região na qual a pressão era fraca, sendo-o, porem, mais a sueste (grupo oriental dos Açores) de modo que para ali segue a depressão, passando a cêrca de 90 milhas ao sul de S. Miguel, continuando a sua carreira até a costa de Portugal.
A segunda tempestade (R da carta) forma-se a 27 de março, cêrca de 280 milhas ao norte das Antilhas, chegando a 2 de abril aos Açores, successivamente enfraquecida pelo regime de pressões gradualmente maiores do sul para o norte, e extingue-se entre as ilhas do Faial e a das Flores.
No ultimo d’estes dois exemplos vê-se a influencia da montanha de ar, que era resistente, e no primeiro a sua não resistencia, o que determinou respectivamente a morte da tempestade, ou o ella continuar a sua deslocação sem enfraquecimento para o continente europeu.
Vê se mais, no primeiro exemplo, que, quando as pressões eram menores no grupo oriental do que no occidental, a trajectoria da depressão se dirigiu para o grupo de menor pressão, e assim tendo-se dirigido pelo sul dos Açores foi seguindo para as costas de Portugal, o que não succederia se a maior resistencia fosse ao sul do archipelago, pois neste caso a tempestade dirigir-se-hia para as regiões do norte de Espanha.
Quando as pressões eram menores no grupo occidental (segundo exemplo) para ali se dirigiu a depressão.
Não é só sob este aspecto que não teem ainda sido bem aproveitados os elementos meteorologicos fornecidos pelos observatorios dos Açores, mas sob outros, para os quaes ultimamente teem convergido mais as attenções dos meteorologistas; refiro-me ás relações existentes entre as variações barometricas neste archipelago e as de outros pontos do hemispherio boreal, e ás das quantidades de chuvas que caem em regiões bem afastadas dos Açores, e que depois aqui se observam. Vou, pois, referir-me rapidamente a estes assuntos, e em seguida tratarei da importancia dos Açores como centro de communicações feitas por meio da telegraphia sem fios.
Devido aos trabalhos dos eminentes meteorologistas Van Bebbar, Teisserenc de Bort, Hildebrandsson, Hann, Blandford e Elliot, sabe-se que ha na atmosphera, em contacto com a superficie terrestre, cinco regiões nas quaes se observam as mais altas pressões barometricas medias annuaes, os anti-cyclones permanentes, que reinam sobre os oceanos, e em volta dos quaes circulam as grandes correntes oceanicas. Taes regiões são chamadas, attenta a sua immensa importancia meteorologica, os grandes centros de acção da atmosphera.
Entre alguns d’esses centros existem relações de opposição constante nas variações barometricas, e parece haver uma ligação, ainda muito mal definida, entre taes variações e o caracter geral do tempo na Europa, durante um grande periodo.
Os Açores são um d’esses centros d’acção, e os estudos de Hildebrandsson, e mui recentemente os de Hann mostram a sua grande importancia. Assim é já conhecido que as variações barometricas nos Açores e na Islandia são quasi sempre oppostas, e concordes com as da Siberia.
O estudo mais completo d’estas relações, que já hoje nos dá conhecimento aproximado da situação atmospherica de uma região, pelo simples conhecimento da de outra, não nos virá fornecer elementos preciosos para a previsão do tempo feita com muito maior antecedencia do que actualmente se faz?
A relação até agora concorde entre a quantidade de chuva caida no inverno na Colombia inglesa, e a que vem cair no outono seguinte nos Açores, continuará a succeder, e assim poder-se-ha prever com meses de antecedencia uma epoca de chuvas, ou de estiagem nos Açores, e depois em outras regiões da Terra?
Francisco Affonso Chaves
[1] Rapport sur l’étabilissement projété du service metéorologique international des Açores, por F. A. Chaves, 1900, p. 29.