Sou dos que pouco confiam nas chamadas descobertas da medicina. Desde Pasteur até aos nossos dias, quantos fiascos e quantas decepções! Os medicos entre si – fallo nos mais illustres que se dedicam, mais do que á simples arte de curar, á investigação dos grandes problemas biologicos, que se relacionam com a pathologia e a herapeutica – fazem-se uma competencia horrivel e até desleal ás vezes, o que occorre particularmente depois que, como corollario da microbiologia, se inventou a sorotherapia e, sobretudo, a partir do momento em que o allemão Behring e o japonez Kitasato ( e não o francez Roux como affirmam muitos por engano) encontraram o meio de combater os estragos da diphteria, injectando ao doente soro de cavallo immunisado. Cada vez que apparece um experimentador preconisando um novo soro contra tal ou qual molestia immediatamente surgem outros investigadores reclamando a prioridade ou propondo outro soro como o unico capaz de curar a mesma molestia de modo infallivel. O tetano, a tuberculose, o cancro, as mais terriveis pragas da humanidade, todas teem o respectivo soro destinado a combatel-as e vencel-as, mas a verdade é que até agora os resultados obtidos teem sido tão pobres, que bem se pode affirmar que são completamente inefficazes.
A proposito da sorotherapia succede o mesmo que em tudo quanto diz respeito ao problema da vida: a iniciativa costuma ser honrosa e desinteressada, essencialmente scientifica, mas logo vem a vaidade e o amor do ganho com as suas intrangisencias e abusos e tudo perdem. O que devia ser objecto d’uma especulação de ordem puramente scientifica, humanitaria e altruista, degenera em exploração commercial, d’ahi os grandes fiascos que tem havido n’estes ultimos vinte annos.
De todos os estudos e experiencias, comtudo, que se têm feito desde uma epoca relativamente recente, com o fim de chegar, por qualquer meio, a neutralisar o estado de doença no homem, creio que o que merece mais attenção e maior credito, são os trabalhos do professor Methnikoff, e destinados a estabelecer o mechanismo da immunidade, ponto de partida de todas as tentativas realisadas para atalhar e dominar o mal no principio. Já todos sabemos que esse mechanismo – que hoje acceitam os homens mais eminentes do mundo – reside na acção dos fagocitos, cellulas vivas so organismo, cuja missão consiste em defendel-o dos ataques dos agentes da enfermidade (leucocytos, microbios, toxinas, etc.) absorvendo-os ou destruindo-os.
Activar a fagocitoso, isto é, procurar o reforço indispensavel aos fagocitos para sustentar com vantagem, a lucta em caso de infecção ou doença, é obter a immunisação do organismo, e por este meio simplesmente mechanico, combatel-as e vencel-as.
Isso emquanto á theoria, que é tão simples como admiravel. A meu ver, basta ella só para immortalisar Metihnikoff, digno successor do grande Pasteur, no Instituto do mesmo nome. Mas agora temos a segunda parte do problema: a que se refere aos meios pelos quaes pode ser estimulada essa fagocitose, quando o homem é atacado por uma doença ou infecção qualquer. O doutor Doyen, que é o investigador mais incansavel que tenho conhecido, n’estes ultimos tempos, julga ter encontrado a solução do problema e apressou se a communical-o ao mundo inteiro.
O illustre cirurgião, que é ao mesmo tempo um grande experimentador e um biologo de primeira força, fallou primeiro na sua descoberta no congresso internacional de medicina de Budapest, em agosto ultimo, e expoz-lhe toda a technica ultimamente, no congresso de physioterapia, que acaba de ter logar em Paris. Se a experiencia chegar a comprovar a efficiencia do meio que elle preconisa para activar a fagocitose e obter com isso a immunisação do organismo contra os ataques das molestias infecciosas, teremos que considerar Doyen como um bemfeitor da humanidade, no seu mais alto gráo.
Não posso explicar n’uma curta chronica, destinada a ser lida por muita gente que, embora muito culta, não entende palavra de biologia ou de medicina, o processo scientifico em virtude do qual o doutor Doyen conseguiu encontrar o estimulante efficaz, isto é a substancia excito-motriz, que põe os fagocitos em condições de lutar contra os adversarios, agentes de infecção. Direi unicamente que essa substancia (conjuncto de outras tiradas de differentes fermentos e baptisadas por elle com o nome de coloides fagogenos) se chama Micolisina, isto é, substancia que dissolve os germens. Quando, no principio d’uma infecção grave, se confirma a doença, como consequencia da inactividade dos fagocitos, a acção d’esses coloides fagogenos é tão rapida, que provoca a dissolução dos microbios pelos fagocitos – affirma Doyen – em menos d’uma hora. As suas experiencias ultrapassaram as suas esperanças, pois chegou a dizer que não só se podem evitar – ou atalhar em estando declaradas – a maior parte das affecções das vias respiratorias, digestivas e da pelle: abcessos, furunculos, anthraz, febre puerperal, febre typhoide e febres eruptivas, mas que o novo methodo (que constitue uma verdadeira revolução em therapeutica) tambem se póde applicar ao tratamento das doenças chronicas rebeldes, taes como o rheumatismo chronico, o cancro e a tuberculose.
Trata-se, como se vê, d’um verdadeiro acontecimento, pois a comprovarem-se os effeitos do novo tratamento, elle só ha de constituir, d’or’avante uma prolongação consideravel da vida humana, com relação á media actual.
E como isso tem immensa importancia, nos tempos de degeneração physica em que vivemos, pareceu-me justo declaral-o, como tributo merecido ao homem incansavel, que tanto se esforça em alliviar os males da humanidade doente.
Darwin
Darwin - "Pela sciencia - Theoria da immunidade – Sua applicação scientifica como meio de combater as infecções e prolongar a vida - Investigações do doutor Doyen"
in Diário dos Açores
de 23 de Maio de 1910, nº. 5671, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=668.