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Texto da entrada (ID.678)

De accôrdo dom a theoria tetraedica da formação da Terra as regiões antarcticas devem ser elevadas, e as arcticas baixas; estas occupando a base do tetraedro, e aquellas uma das pontas.

As memoraveis expedições de Shackelton e de Peary do anno passado, vieram confirmar por modo bem frisante as affirmações theoricas acima enunciadas.

Em 9 de Janeiro de 1909, Shackleton chega a 178 kilometros do polo Sul, encontrando-se então a mais de 3000 metros acima do nível do mar, e tres mezes depois, a 6 de Abril Peary, estaciona no polo Norte, sobre uma superficie gelada de pequena altitude.

Obtidos taes resultados parece que desappareceu o grande interesse de nova viagem ao polo Norte, e só resta a ida ao do Sul, que vae em Outubro proximo, ser mais uma vez tentada por uma expedição allemã, dirigida pelo explorador Felchner, bem conhecido pelas suas viagens na Asia Central, em 1903 e 1904; e por uma outra ingleza commandada por Scott, o antigo chefe da expedição antarctuca da Discovery.

Para muitos eis em que se resumem as explorações aos pólos: “quasi que a uma questão de sport”, pois aparte a confirmação de uma theoria geologica, nada de pratico, de util para a humanidade se obtem com o estacionar-se durante horas, ou mesmo dias em pontos da Terra, que não podem ser habitados, nem por qualquer modo aproveitadas.

Felizmente (quase?) todos os exploradores das regiões polares têm tido a orientação de chegarem ao polo. Assim a expedição Charcot que ha pouco (de 19 a 23 do corrente mez) nos honrou com a sua estada entre nós, sahiu da França em 1908 com o fim especial de reconhecer geographicamente o Pacifico austral, e só com tal fim de utilidade pratica.

Devido á bondade do illustre Commandante da expedição o Dr. Charcot, e á dos seus benemeritos companheiros, posso apresentar um resumo da exploração por elles realisada de Dezembro de 1908 a Fevereiro ultimo, com a qual a França se encherá de gloria, devido ao trabalho heroico, intelligente e desinteressado de filhos seus, illustres pelo saber, e pela grandesa da sua alma.

A exposição que vou fazer é quasi que uma simples reproducção de descripções que me foram feitas, ou a traducção de notas dadas.

Da immensa extensão coberta de gêlos que rodeia o polo do Sul pouco se sabia até ao começo do seculo actual. Comtudo ella occupa uma superficie bem maior do que a da Europa!

Durante annos e annos os navegantes só nas suas campanhas de verão puderam approximar-se das costas antarcticas, desembarcando a mêdo e demorando-se na terra firme mui pouco tempo.

Foi uma expedição belga, a do Belgica, que em 1898 iniciou uma era nova de exploração a estas terras desconhecidas.

Como é sabido trez Oceanos rodeiam o Oceano Antarctico; o Atlantico, o Indico e o Pacifico; correspondendo aos tres grandes continentes do hemispherio austral, o da Africa, da Australia e da America do Sul.

Para as explorações antarcticas tem sido de qualquer d’estas tres pontas continentaes que as expedições têm partido, e assim sob este aspecto o Antarctico póde dividir-se em tres sectores:

1º - O sector africano entre 0º e 120º de longitude Leste.

2º - O sector australiano entre 120º de longitude Leste, e igual longitude Oeste.

3º - O sector americano entre o 0º e 120º de longitude Oeste.

Em 1901, por exemplo, tres grandes expedições sahem dos tres sectores para a conquista do polo do Sul:

1ª -  A do Gauss, commandada por von Drygalski (1901-1903), parte da ponta africana (do Cabo da Boa Esperança) e de lá pela Ilha de Kerguelen dirige-se para o continente antarctico onde descobre a Terra do Imperador Guilherme II na latitude 66º 48’ Sul, não podendo avançar mais para o interior tapado pelos gelos.

Em 28 de Outubro de 1903 chegou esta expedição a Ponta Delgada, demorando-se entre nós até 9 de Novembro seguinte.

2ª – A da Discovery commandada por Scott (1901-1904), parte da ponta australiana, descobre a Terra de Eduardo VII, e em seguida n’um ousado raid chega à latitude de 82º 17’ Sul, que, como disse, só Shackelton excedeu, chegando a 88º 29’ Sul.

Em 1 de Setembro de 1904 passou por Ponta Delgada esta expedição de regresso á Inglaterra.

3ª – A do Antarctic, commandada por Nordensköln (1901-1903), parte da ponta americana estuda a costa oriental da Terra do Rei Oscar, e faz descobertas importantes na Terra de Luiz Phillipe, e na Georgia.

Os membros d’esta expedição durante longos mezes estiveram n’uma situação tragica abandonados sobre o gelo, devido ao naufragio do Antarctic.

Commandava este navio o Capitão Larsen, que em 1893 foi o primeiro que descobriu fosseis nas terras antarcticas. Este tão illustre navegador já por duas vezes, em 1893 em 1894, veio a Ponta Delgada, aportando aqui a ultima vez só para me vir trazer (como em 1893 me promettera), tres valiosissimos exemplares zoologicos para o Museu Municipal de Ponta Delgada; um leopardo de mar (Leptonyx leopardinus – Wagn.) um pinguim real (Aptenodytes patagonica – Forst.) e um feto de um leão de mar (Otaria leonina – Pér.).

D’estes tres sectores o menos explorado é o africano. Só poucas terras são n’elle indicadas nas cartas geographicas, e essas collocadas quasi que na totalidade no circulo polar, isto é, a cerca de 67º de latitude Sul.

O sector australiano comprehende uma das regiões mais estudadas do Antarctico, a da Terra Victoria.

A Terra de Eduardo VII a leste d’esta e as Terras Adelia, Clarie e Sabrina a oeste são muito mal conhecidas.

Finalmente o sector americano que forma o esporão mais septentrional do continente austral é formado por uma reunião de ilhas e de terras agrupadas principalmente no prolongamento da America do Sul.

Foi este sector em parte explorado, de 1903 a 1905, pela primeira expedição de Charcot, que então (em 11 de Janeiro de 1905) descobriu a Terra de Loubet a Oeste da Terra de Graham, que fôra descoberta em 1831 por Biscoe.

Entre a Terra de Loubet, no sector americano, e a de Eduardo VII, no australiano, entre estas duas Terras  havia um mar infinito, ou eram ligadas por um continente ininterrupto?

Resolveu a Academia das Sciencias de Paris o confiar em 1908 a uma expedição commandada pelo Dr. Charcot o resolver este problema geographico; encarregando-o mais de rectificar as posições indicadas para a ilha Adelaide, descripta em 1832 por Biscoe, para a Terra de Alexandre Iº descoberta em 1821 por Bellinghausen, e para a ilha de Pedro Iº tambem indicada pelo mesmo navegador como tendo sido por elle avistada, e que nunca mais foi tornada a vêr, e encarregou-o de rectificar a posição d’estes tres pontos por serem os unicos conhecidos, ainda que imperfeitamente na extensão de milhares de kilometros que separam as duas aludidas Terras de Loubet e de Eduardo VII.

Antes de relatar como gloriosamente a expedição Charcot realisou em grande parte o fim a que se destinou, indicarei quaes foram os expedicionarios, e os estudos mais especialmente a seu cargo, pois todos se ajudaram mutuamente no desempenho da sua missão.

O Commandante e alma da expedição, o Dr. J. Charcot teve a direcção superior de todos os trabalhos effectuados no mar e em terra.

Os tres officiaes da marinha de guerra franceza, M. Bograin (Immediato da expedição), R. Godfroy, e J. Rouch, tiveram além dos deveres da navegação, o primeiro os levantamentos hydrographicos e terrestres, e as observações scismicas, o segundo as observações maregraphicas, e o terceiro as observações meteorologicas e oceanographicas.

Os tres naturalistas da expedição dividiram entre si os estudos de historia natural, encarregando-se o dr. Gain dos botanicos, e de zoologia geral, o dr. Gourdon dos geologicos, e o dr. Liouville dos de zoologia marinha especialmente dos cetologicos.

As observações de magnetismo terrestre foram feitas pelo physico Senouque, que tambem teve a seu cargo os trabalhos photographicos, comprehendendo os levantamentos feitos com o phototheodolito.

A medicina a bordo foi exercida pelos drs. Charcot e Liouville.

Para dar uma idéa das más condições climalogicas em que foram realisados todos os trabalhos, extraio do resumo das observações meteorologicas feitas pela expedição de Dezembro de 1908 a Novembro ultimo o seguinte:

O mez mais quente foi o de Janeiro, com a temperatura média de 1,6 graus centigrados, a maxima de 5 graus, e a minima de 8 decimos de grau abaixo de zero.

O mez mais frio foi o de Julho com as temperaturas abaixo de zero, média 6,8 e minima de 23, 9 graus.

Durante o anno a temperatura média foi de 3 graus abaixo de zero, a maxima observada de 8,6 positivos, e a minima já indicada de 23,9 graus negativos.

Se nos lembrarmos que entre nós a temperatura média do anno é de pouco mais de 17 graus, com uma maxima não excedente a 29 graus, e uma minima de não menos de 3 graus positivos; podemos imaginar as horrorosas condições em que tiveram de ser executados trabalhos muitos d’elles delicados, que todos exigem serenidade de espirito, e um certo bem estar physico; trabalhos que foram realisados durante as longas noites e dias das regiões antarcticas, sob a acção depressiva de uma humidade quasi constante de mais de 80 por cento, e com um ceu quasi sempre coberto pelas nuvens.

Conclue

F. A. Chaves

S. S. G. L.


Referência bibliográfica

Francisco Afonso Chaves - "A expedição Charcot de 1908-1910" in Diário dos Açores de 30 de Maio de 1910, nº. 5676, p. 1 (col. 1-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=678.



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