Em 16 de Dezembro de 1908 o Pourquoi pas? Sahiu de Punta Arenas, no Chili, e poucos dias depois chegou á curiosa ilha vulcanica da Decepção. D’alli ainda com facil navegação foram para a ilha de Wienk(?), onde ancoraram no Porto –Lokroi(?), já na latitude de 64º 47’ S. Começam aqui os trabalhos da expedição.
Depois de um reconhecimento previo feito por Charcot, Godfroy e Gourdon na vedet[1] de bordo, verificam poder avançar para o Sul, e poucos dias depois ancoram na ilha Wandel, mas em muito más condições de segurança, o que obriga a novo reconhecimento na vedeta, a fim de procurarem um abrigo na ilha Petermann. Descobrem assim no dia 1 de Janeiro de 1909 um porto, que baptisam, por causa da data, de Porto da Circumcisão.
Alguns dias depois, ja atravez de icebergs, conseguem ancorar o Pourquoi pas? No porto alludido.
Novamente partem os tres expedicionarios a explorar o Sul, com o fim especial de tentarem a ascenção de alguma altura d’onde pudessem reconhecer a possibilidade de passar o navio entre a costa e as ilhas de Biscoe. Como contavam voltar para bordo no mesmo dia não levaram comsigo viveres senão para poucas horas de viagem, nem aprestes de acampamento. Verificam que o canal está fechado pelos gelos, e ao voltarem para o navio o barco fica encravado no gelo!
Durante quatro interminaveis dias, debaixo de uma queda continua de gelo, sem viveres, nem abrigo, tentam chegar ao Pourquoi pas?, fazendo o trajecto sobre o gelo. Felizmente quando já se julgavam irremediavelmente perdidos, sentem por entre o cerrado nevoeiro o apito do navio, que conduzido por Bongrain, e secundado por Rouch tinha vindo á procura dos companheiros extraviados, rompendo a custo o gelo, e por entre icebergs ameaçadores!
De novo se dirigem para a ilha de Petermann, mas infelizmente o Pourquoi pas? Encalha n’um ods innumeros recifes atravez do qual tinha de navegar. Só no fim de tres noites e de tres dias de um trabalho fatigante e depressivo tiveram de descarregar (...) Pourquoi pas? que deixou no (...) um grande pedaço de proa, e um bocado da quilha. Com o navio n’este maus estado foram realisados todos os trabalhos da expedição!
Logo que o gelo diminuiu, sahiram do Porto da Circumcisão para o Sul, ao longo da costa, completando os levantamentos feitos durante a expedição anterior de Charcot, a do Français.
Foi então que descobriram no Norte da ilha Adelaide uma bahia á qual deram o nome de Matha (em honra do antigo immediato da expedição do Français) e verificaram que a ilha Adelaide em logar de ter oito milhas de comprimento, como era descripto, tem setenta milhas de extensão.
Ao sul da Adelaide, n’uma região vista pela primeira vez encontraram uma grande bahia que foi baptisada com o nome de Margarida, onde entraram apesar dos cachopos e dos gelos mui compactos que alli haviam, ancorando perto de uma pequena ilha que de ficou chamando Jenny, nome da esposa do Tenente Bograin.
N’este mau abrigo esteve o Pourquoi pas? quasi perdido, pois durante quatro dias consecutivos o navio sem poder ser preso em ponto fixo soffreu o embate de alterosas vagas, e a todo o instante era ameaçado de ser destruido pelos icebergs que o rodeavam.
Durante estes dias Bongrain e Grain fizeram em trenó uma excursão que lhes permittiu realisar o levantamento hydrographico da região que separa a Terra de Loubet da ilha Adelaide.
Navegando para o sul da bahia Margarida, em lucta continua com os gelos, os recifes e os icebergs, descobrem e fazem o levantamento de 120 milhas de costas desconhecidas.
Depois de duas ousadas tentativas conseguem romper os gelos, e o Pourquoi pas? chega à Terra de Alexandre Iº, cuja costa não só é reconhecida geographica e hydrographicamente, como é photographada, obtendo-se assim preciosos elementos para futuros estudos comparativos de tal região.
Infelizmente não puderam invernar n’esta Terra, e depois de infructuosas tentativas para encontrarem um porto de abrigo para o navio, tiveram de voltar para a ilha Petermann, onde passaram um inverno horroroso, sacudidos por um vento do Nordeste quasi que continuamente tempestuoso, com o navio cercado de pavorosos icebergs e com o leme esmigalhado, tendo por isso de ser substituido no meio do maior perigo, e por vezes quasi que na escuridão!
Este mau inverno teve a sua repercussão na saude dos expedicionarios, pois muitos d’elles foram atacados de escorbuto, especialmente o dr. Charcot e o Tenente Godfroy.
Apesar d’isto organisou-se uma expedição para atravessar a Terra de Graham, composta por Gourdon, Grain, Senouque e os tres marinheiros Besnard, Avéline e Hervé. Voltaram estes expedicionarios para o navio depois de terem feito interessantes observações, mas sem terem podido escalar a muralha vertical de granito e de gelo que se ergue bem perto da costa, em todos os pontos por onde tentaram penetrar no interior.
Muitas outras excursões fructuosas se realisaram durante a invernagem.
Só no fim de Novembro de 1909 puderam sahir com o navio dos gelos, e depois de grandes trabalhos, por entre numerosos icebergs, chegaram de novo à ilha da Decepção onde encontraram muitos navios balieiros alli abrigados. Tomaram 100 toneladas de carvão, e installaram em terra apparelhos scismographicos, magneticos e maragraphicos, com os quaes obtiveram elementos scientificos de grande valor.
Importantes colheitas botanicas geologicas e zoologicas foram ao mesmo tempo feitas.
Da Decepção tentaram ir á Terra de Joinville colher fosseis, mas os gelos não permittiram o desembarque, conseguindo depois com grande difficuldade saltarem na ilha Bridgeman, fazendo em seguida o levantamento da Admiralty Bay, e o da costa sul das Shetlands.
Foi d’aqui que novamente partiram para o Sul. O tempo de novo começou a peorar e a escurecer, os gelos e os icebergs a augmentar, comtudo puderam passar com o navio além de todas as latitudes anteriormente alcançadas ao sudoeste da Terra de Alexandre Iº, e terminaram a carta encetada no começo da expedição. Descobriram então uma serie de novas terras ao Sul e a Oeste da Terra Alexandre, resolvendo assim um problema geographico importante, como é o de se saber que a alludida Terra não é uma simples ilha, como muitos suppunham.
Avistam, e reconhecem em seguida a ilha de Pedro Iº, que, como já indiquei, nunca mais tinha sido tornada a ver depois de descoberta, em 1821.
Desde então a navegação cada vez foi mais perigosa, devido ao numero consideravel de icebergs (foram avistados mais de cinco mil durante uma semana!), que cercam e correm sobre o Pourquoi pas?. É necessario n’este mau periodo manobrar com o navio no meio de nevoeiro tão espesso que a visão tem um só campo de pouco mais de 10 metros de extensão, isso fustigados, officiaes e marinheiros, por violentas rajadas de um vento gelado e humido!
Não desanimam, e assim vão reconhecendo a costa até quasi aos 120º de longitude Oeste.
Quasi que esgotada a provisão de carvão, a doença de alguns expedicionarios sendo alarmante, especialmente com o aggravamento do escorbuto, tudo força a expedição a ter de terminar os seus trabalhos, e de se dirigirem para o continente americano, o que bem contra vontade realisam!
A travessia até ao cabo Pillar faz-se no meio de enormes vagas, tão vulgares nos mares antarcticos, mas effectua-se rapidamente.
D’alli dirigem-se a Puerto-Gallante, onde podem tomar viveres e agua, e onde descançam uns dias.
Finalmente a 11 de Fevereiro de 1910 chegam a Punta Arenas, d’onde tinham sahido quatorze mezes antes, encontrando alli o primeiro navio de guerra europeu que os acolhe com enthusiasmo e amisade, navio que foi o nosso crusador S. Gabriel.
Os resultados geographicos da expedição Charcot foram pois: A descoberta de centenas de costas junto de kilometros da Terra de Alexandre 1º e de novas terras a 900 kilometros da Terra de Eduardo VII, reduzindo por isso de dois terços o espaço desconhecido que se estendia entre as pontas extremas da America e da Australia. O levantamento completo de uma grande parte do exterior do continente antarctico. O fornecimento de elementos de confirmação da existencia de um continente cercando completamente o polo do Sul.
Certamente foram estes resultados geographicos (fim principal da expedição) os mais importantes, e agora já conhecidos, mas é de esperar que os materiaes colhidos, as observações feitas pelos valentes exploradores do Pourquoi pas? muito contribuirão para os progressos da Physica do globo, e para o conhecimento da historia natural de regiões de tão difficil accesso.
Lembremo nos alem d’isto que a descripção dos perigos passados, das difficuldades tão gloriosamente vencidas, da grande missão cumprida com tanta heroicidade, abnegação e modestia, constituem uma lição de energia com a qual não só se engrandece a França, mas a humanidade!
F. A. Chaves
S. S. G. L.
[1] Pequeno barco de bordo com um motôr de gazolina.