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Texto da entrada (ID.762)

A formação mais antiga da Madeira, diz Lyell, encontra-se em São Vicente, na costa septentrional, e data provavelmente da época terciaria miocena. Ora, sendo certo, como vimos, que alguns generos então existentes na Europa têem representantes na flora actual madeirense, parece-nos que se póde referir a essa época o estabelecimento das primeiras colonias vegetaes n’esta ilha, considerando as modificações occorridas nos typos primitivos como uma consequencia do isolamento geographico, do clima e das novas condições de vida a que ficaram sujeitas as plantas. É preciso notar, porém, que as modificações locaes a que nos referimos, se não entenderam a todas as especies introduzidas antes da época geologica actual, por isso que algumas d’ellas têem sido observadas no estado fossil no plioceno europeu, e que desde tempos bastante remotos que se não regista a minima evolução em certos typos da nossa flora, como o póde attestar um jazigo de fosseis existente na freguezia de São Jorge, o qual é constituido em grande parte por vegetaes que ainda hoje apparecem na ilha.

Existem alguns generos de plantas que têem o seu habitat limitado ás ilhas atlanticas e a certos pontos da America separados d’ellas por extensões consideraveis de mar. este facto, apparentemente anormal, explica-se pela origem commum das flores da época terciaria, sendo possivel que as divergencias que se notam agora no tocante ás especies d’estes generos, sejam o resultado de transformações locaes, ou da extincção no continente americano de formas representadas tambem nas vegetações insulares. Tudo leva a crer que o genero Brystropogon que só tem hoje representantes nas floras da Madeira, das Canarias, da Columbia e do Perú, vivesse em regiões mais septentrionaes da America, durante o mioceno, e que a sua immigração para as partes central e sul d’este continente data do periodo glaciario, embora só na volta do calor se estabelecesse definitivamente nas áreas que agora occupa.

A hypothese da dispersão durante o periodo glaciario, como Darwin a formulou, explica melhor do que qualquer outra a presença no archipelago da Madeira de um Carex que se encontra nos Pyreneus, e de duas Saxifregas relacionadas ambas com uma forma que vive egualmente n’aquellas montanhas. Com effeito, se as especies das altas cordilheiras emigraram para as regiões meridionaes durante o referido periodo, póde-se admittir a possibilidade de algumas d’ellas haverem chegado a fixar-se nas ilhas atlanticas, occupadas já pelo elemento arctico-terciario. Na volta do calor, retirariam as plantas europeas ás areas primitivas, emquanto os seus descendentes, encontrando nas altitudes das mesmas ilhas condições favoráveis á sua existencia, teriam conseguido manter-se ahi, modificando-se em alguns casos em virtude de influencias mesologicas. O Carex a que nos referimos encontra-se tambem no archipelago dos Açores, onde Hartung descobriu fragmentos de granito e outras rochas trazidas provavelmente pelos gelos durante a epoca dos grandes frios.

É de suppor que uma variedade da Arabis alpina que apparece nas altitudes médias da Madeira fosse introduzida tambem durante o periodo glaciario. O typo da especie encontra-se nos cumes das montanhas da Europa, na Groenlandia e na Peninsula do Lavrador.

Ás plantas peculiares dos archipelagos da Madeira, Canarias e Açores, deu Webb o nome de flora macaronesia. D’estas plantas, bem como das que são endemicas em qualquer das ilhas dos tres archipelagos, dissémos já o sufficiente para se ajuizar da sua origem; resta-nos falar agora de outras especies que, sendo communs tambem a determinados paizes da Europa ou da America, constituem a parte mais importante da flora das mesmas ilhas.

Não é facil indicar, na maioria dos casos, o modo como certos vegetaes americanos bem estabelecidos agora na Madeira ou nas Canarias, chegaram até estes paizes. Uns, foram primitivamente plantas de ornamentos, naturalizando-se pouco a pouco, e occupando hoje extensões consideraveis de terrenos; outros, provêem de sementes introduzidas casualmente pelo homem, e que, germinando, produziram novos individuos que propagaram a especie. O Eupatori um adenophirum, do Mexico, o Northescordum fragrans, da America boreal tropical, e a Alternanthera Achyrantha, das Indias occidentaes e orientaes e da America meridional, todos introduzidos no seculo XIX, mostram de modo bem eloquente a rapidez e a extraordinaria facilidade com que certas plantas se acclimam e naturalizam na Madeira.

Pelo que respeita ás especies europeias e mediterraneas que fazem parte das floras das ilhas atlanticas, as algumas são evidentemente de introducção recente, provindo mesmo das hortas e jardins, outras ha cujo estabelecimento nas mesmas ilhas deve ser referido a epocas muito anteriores á colonisação. É de suppor que muitas estas ultimas, tendo sido introduzidas durante a epoca terciaria, devem a inalterabilidade dos seus caracteres morphologicos á circumstancia das immigrações se haverem feito em grupos, e das relações entre as especies não terem sido por este motivo sensivelmente perturbadas.

Muitas outras considerações podiamos apresentar sobre as floras dos archipelagos atlanticos, como não desejamos abusar, porém, da benevolencia dos leitores, limitar-nos-hemos a dizer para concluir, que, no tocante ao endemismo, sómente os grupos especificos ou os que lhe são inferiores têem verdadeira importancia n’essas floras. O archipelago da Madeira que possue 98 especies e muitas sub-especies e variedades endemicas, só tem dois generos peculiares bem caracterizados, e os Açores, que possuem 32 especies endemicas, nem um genero possuem que lhes seja exclusivo. As Canarias, ás quaes alguns britanicos attribuem 15 generos endemicos, têem, segundo Hemsley, 269 especies peculiares.

No nosso entender, os poucos grupos de ordem morphologica superior endemicos da Madeira ou das Canarias, ou communs a estes dois archipelagos, constituiram-se em virtude da extincção nas regiões continentaes de certas formas que occuparam outr’ora extensas areas. É incontestavel que as ilhas atlanticas foram séde de um desenvolvimento autonomo do elemento arctico terciario, mas a formação relativamente moderna das mesmas ilhas parece indicar que d’esse desenvolvimento não resultaria o apparecimento de generos endemicos, os quaes exigem muito mais tempo para constituir-se do que os grupos especificos.

Funchal

Carlos A. Menezes


Referência bibliográfica

Carlos A. Menezes - "Origem provavel da vegetação das ilhas atlanticas - conclusão" in Diário dos Açores de 2 de Setembro de 1910, nº. 5754, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=762.



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