III O interior da terra
O celebre professor Edouard Roche, que a Sciencia perdeu, ha annos, tão prematuramente, expôz em um profundo e notavel artigo que publicou na Revue Astronomique, da França, as razões que lhe não levavam a admittir a hypothese da fluidade interna do globo.
Depois de ter tratado a questão sob todos os pontos de vista da Astronomia e da Phisica e feito as mais várias considerações para chegar á solução do problema em que vinha empenhado, concluiu que “a hypotese da fluidade, é puramente incompatível com a grandeza da precessão dos equinocios e com o valor do achatamento superficial, que, depois das mais recentes determinações, é superior a 1295”.
Ensaiando as hypotheses mais provaveis e emittindo as razões mais consentaneas e mais logicas, chega, pelo contrario, a provar brilhantemente que “ a terra é solida na sua maior parte, suppondo-a composta d’um nucleo sensivelmente homogeneo, com uma pequena condensação junto ao centro, revestido por uma camada exterior muito mais leve, cuja densidade pode ser calculada em 3 com relação á agoa, e que é fluida a uma certa profundidade”, o que se coaduna perfeitamente com todas as condições relativas ao abaixamento da superficie terrestre e com a precessão dos equinocios.
Na hypotese de Roche, o nosso planeta é, pelo seu peso especifico, analogo ao ferro meteorico, que tanto predominou na composição da nebulosa terrestre ao passo que a camada que o envolve é comparavel ao aereolithos de naturesa pierrosa.
Comquanto à questão de saber-se qual a natureza dos materiaes que constituem o seu interior, é ainda muito audacioso, no estado actual da sciencia, emittir-se qualquer parecer sobre o assumpto. Comtudo, a julgar-se pela pressão exercida pelas camadas superiores, deprehende-se que deve estar liquifeito em quase toda a sua extensão.
Relativamente à região central, nada se sabe da sua constituição chimica. Talvez que a prata e o chumbo lá existam em grande quantidade. A região intermediária, porem, cuja densidade é calculada em 7 a 7,5, escreve Edouard Roche, “indica que é metallica, e sem duvida formada de ferro, a julgar pelas propriedades magneticas do globo e pela frequencia do ferro nos aereolithos”.
Estabelecendo-se a hypothese do maior peso especifico da terra central, com relação aos elementos mais densos no periodo primitivo da formação dos planetas, pode dizer-se com o sabio professor Milne: “a raridade do ouro e da platina á superfície da terra, torna-se em abundancia espantosa no centro s’ella. Tragica e ironica consolação dada aos famintos da riqueza”.
O effeito da pressão é que produz o constante e perfeito equilibrio dos corpos no interior da terra. É ella que transforma o solido em liquido e o liquido em solido. A compreamebilidade é immensa, prodigiosa, quasi phantastica. Qualquer pedaço de mateira que compõe a crusta da terra, levado ao centro d’ella, ficaria reduzido a um quarto do seu volume. A Terra foi originariamente liquida. Por effeito de pressão exterior para o centro epor influencia d’ esfriamento do interior para a superficie, tornou-se solida.
Seja, porem, como for o que é certo é que ella pode ser perfeitamente considerada como um immenso organismo vivo, e é sobre este ponto que passamos agora a insistir.
Theobaldo da Camara - "Formação do Universo – Kant, Laplace, Faye e Du Ligondés – o interior da terra – teoria dos vulcões – causas dos “sismos” - como se registam os “sismos” – relações entre a Terra e o Sol. (continuação)"
in Diário dos Açores
de 7 de Maio de 1907, nº. 4781, p. 1 (col. 4-5). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=81.