Muito recentemente foi efétuado por Seth Nicholson, do Observatorio Lick, na California, o descobrimento de um novo satelite de Jupiter. Este acontecimento, que em outros tempos teria uma larga vulgarisação nas revistas cientificas, apenas foi registrado numa ou outra com mais alguns pormenores. Não se estranhe isto, quando todas as atenções estão voltadas para a guerra feroz que divide as nações consideradas as mais cultas da velha Europa. Os momentos são aproveitados, não para especulações cientificas, mas recrutar homens para os instruir na arte de matar e destruir e para fabricar armas e munições.
Em todo o caso, o descobrimento fez-se e pela nossa parte não devemos de o deixar de registar nestas cronicas. Foi por meio da fotografia que se realisou com o auxilio do grande telescopio Crossley, o mesmo com que outro astronomo, no mesmo Observatorio Lick, descobriu os satelites VI e VII do mesmo planeta.
Até 1892, Jupiter apenas era mencionado nos nossos compendios de estudo como um planeta, tendo quatro luas. Apesar de ser o mais volumoso de todos os planetas que giram em volta do Sol, era nesta particularidade inferior a Saturno que, além dos celebres aneis com que se enfeita, era apresentado aos nossos conhecimentos como centro de um mundo de satelites, nada menos de oito.
Pois bem, de 1891 para cá Jupiter tem-se desforrado da supremacia do seu companheiro do espaço. Naquele ano, Barnard descobre o V satelite; em 1904 Perrine anuncia ao mundo o descobrimento do VI e em 1905 o do VII; depois, em 1908, Melotte anuncia ter arrancado das sombras em que se envolvia o VIII e agora Nicholson vem corroborar o seu descobrimento efétuado em julho de 1914, dando a Jupiter o IX satelite.
Eis como o astronomo americano dá conta do seu descobrimento:
Propunha-se com o grande telescopio Crossley efétuar observações da posição nos pequenos satelites de Jupiter e, precisamente, em uma das primeiras placas para tal efeito empregadas em 21 de julho de 1914, apareceu-lhe um pontosinhi suspeito, situado não muito longe do satelite VIII. Em 22 de julho voltou a aparecer o pequeno ponto, mas algum tanto deslocado com relação ás estrelas. Como durante a exposição fotografia imprimisse ao equatorial um movimento adequado para seguir o proprio deslocamento do satelite VIII, de acordo com as efemerides, no caso de que o novo ponto correspondesse a um astro real, o seu movimento proprio tinha de ser muito parecido ao do satelite VIII, já que a sua imagem era circular como a deste. Tiraram-se novas fotografias nos dias 23 e 24 de julho, confirmando-se as mesmas caracteristicas, e embora pudesse haver a possibilidade de se tratar de um pequeno planeta excécional ou de um pequeno cometa, todavia tudo fazia crêr que se havia descoberto um novo e infimo satelite de Jupiter.
Posteriormente, obtiveram-se outras fotografias do novo astro e o professor Leusehner, com a colaboração dos alunos do Observatorio de Berkley, pôde confirmar por meio do calculo que se tratava definitivamente de um satelite, tendo as seguintes particularidades: movimento retrogrado, excentricidade da orbita bastante pequena, uma consideravel distancia ao planeta mais de metade da que separa o planeta Mercurio do Sol – e um periodo de revolução em volta de Jupiter maior de tres anos, isto é, um periodo da mesma ordem de bom numero dos pequenos planetas no seu movimento em redor do Sol.
Notemos agora mais o seguinte: Os primeiros quatro satelites de Jupiter, denominados por Galileu que os descobriu em 1610 Yo, Europa, Ganimedes e Calisto e o V descoberto por Barnard em 1892, caracterisam-se por apresentar uma evidente correlação entre os seus elementos. Com efeito, as suas distancias ao planeta crescem segundo uma lei similhante á dos planetas que giram em volta do Sol, e por conseguinte os periodos das suas revoluções variam de um fórma parecida. As inclinações das suas orbitas sobre a ecliptica são todas pequenas, e podemos até acrescentar que as longitudes dos seus nodos ascendentes são todas pouco discordantes.
Dentro desta categoria podemos estabelecer duas sub-categorias baseadas no tamanho dos satelites: a dos que chamamos satelites internos dos quais só conhecemos um representante, o descoberto por Barnard, tendo um diametro de pouco mais de 100 kilometros. Não ha duvida de que existem outros muitos satelites internos desta ordem de dimensões, e mais proximos do planeta, constituindo no seu conjunto um rudimento de anel que recorda o anel interior transparente de Saturno e que produziria pelos seus efeitos proprios sobre a atmosfera de Jupiter, as violentas correntes de que os astronomos fazem menção.
A dificuldade de descobrir similhantes satelites é muito grande, principalmente por causa da intensa luz difusa de Jupiter, que ofusca ao observador e á placa fotografica os pontos minusculos que possam existir nos seus arredores e a pequenas distancias.
Quanto à segunda sub-categoria de satelites e que consiste nos grandes satelites descobertos por Galileu, as suas dimensões são consideraveis e da mesma ordem que as da nossa Lua.
Temos, enfim, a segunda categoria, a dos satelites externos. Comparados com os da categoria anterior, nota-se que os seus elementos são discordantes, como o são tambem entre si. As inclinações são fortes, muito diferentes entre uns e outros; a progressão das distancias ao planeta não segue nenhuma lei gradual e, sobretudo, não aparece nenhuma relação entre as longitudes dos seus nodos. N’esta categoria podem estabelecer-se tambem duas sub-categorias: a dos satelites diretos e a dos retrogrados. E, circunstancia notavel e sumamente eloquente, os suplementos das inclinações das orbitas dos satelites retrogrados são muito parecidos ás inclinações das dos satelites diretos.
Finalmente, uma carateristica importante dos satelites exteriores é que as suas dimensões são todas muito pequenas. O VI satelite não chega a 100 kilometros de diametro e o IX, o ultimo descoberto, não tem mais de 10 kilometros, sendo as suas dimensões muito parecidas ás dos pequenos planetas que gravitam entre Marte e Jupiter.
Todas estas considerações fazem crêr que os satelites exteriores de Jupiter não passam de pequenos planetas ou asteroides capturados pelo astro gigantesco, e não verdadeiros satelites, cosmologicamente oriundos de Jupiter. Não só a mecanica nos ensina que a captura é possivel, mas ainda que esta captura deveria ter-se efétuado desde o momento em que existem pequenos planetas que alcançam a orbita de Jupiter, a ponto de, em determinadas ocasiões de aproximação, a ação atrativa de Jupiter ser superior á do Sol.
Precisamente, os satelites VIII e IX de Jupiter se encontram, sob este ponto de vista, em condições criticas. No satelite descoberto por Nicholson ha verdadeiras singularidades mecanicas, de que resultam surpreendentes e complicados problemas, dando o maior interesse scientifico aos trabalhos astronomicos, interesse que vai aumentando cada vez mais, á medida que aumenta a perfeição e a potencia dos instrumentos opticos e se alarga o campo de observação dos investigadores.
No espaço infinito ha ainda muito misterio a desvendar, quanto mais se contempla o Céu, mais o espirito do investigador se sente pequeno perante a grandeza do Universo.
Nonio - "Chronica scientifica - O descobrimento de um novo satelite de Jupiter – Como se effectuou esse descobrimento – Os satelites de Jupiter – As suas categorias – Satelites ou planetas? – Singularidades mechanicas – Mysterios a desvendar pelo espaço infinito"
in Diário dos Açores
de 21 de Junho de 1915, nº. 7155, p. 1 (col. 3-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=911.