Ao que parece, a Idade de ferro ainda presidirá por muitos seculos os destinos da humanidade, devendo ser mais longe que a de pedra e a de bronze, dizem os tratadistas e os videntes do futuro. E será mais longa essa idade, porque o ferro, a grande materia prima de que todas as industrias se servem para os seus machinismos e todas as nações applicam á fundição de canhões, á construcção dos couraçados e navios mercantes, abunda no nosso globo em jazigos quasi inexgotaveis.
A industria do ferro é o exemplo mais tipico d’essa idade absorvente e é na Alemanha que essa industria tomou proporções gigantescas. Só o nome Krupp symbolisa o formidavel desenvolvimento da metallurgia allemã. A fabrica de Essen, que ha um seculo occupava apenas 10 operarios, emprega agora 40.000 e 70.000 com os annexos de Rheinhausen, Magdeburg e Kiel.
Mas não é só a fundição Krupp que na Allemanha prospera. Por todo o territorio allemão se elevam poderosas officinas siderurgicas que fundem o ferro e o aço e o amoldam a variadissimos destinos. As estatisticas são as primeiras a dizer-nos que depois de ter ultrapassado a França e mais tarde a Inglaterra, a Allemanha ocupa hoje o segundo logar na industria do ferro, pertencendo o primeiro aos Estados Unidos.
Todas estas fundições e officinas exigem materia prima em quantidades enormes e essa materia prima existe, desde que se descobriu um processo que valorisou tantos thesouros avaramente occultos p’la terra.
Em 1875 vivia em Londres um pobre diabo, um escrevente de notario chamado Thomaz Glichrist que, à noite, para se recrear e instruir, seguia o curso de metalurgia. Durante os seus estudos fez-lhe impressão o facto de não poderem ser aproveitados os mineraes phosphorosos por não se saber eliminar o phosphoro que torna o metal quebradiço. Não ignorava terem-se feito numerosas tentativas, pouco fructuosas, para desphosphorar economicamente tanto o mineral como o metal em fusão d’elle proveniente.
Foi então que teve a ideia luminosa de resolver o problema, aquecendo o metal phosphoroso em fusão em contacto com substancias basicas. Bastava para isso substituir a guarnição interior dos matrazes Bessemer ou a chapa horisontal dos fornos Martin por um agglomerado formado de uma rocha natural, a “clolomea”, que é um carbonato duplo de cal e magnesia.
Feita a experiencia, esta deu razão a Gilchrist, sendo comprovada pelos ensaios effectuados durante tres annos nas officinas de Bleanavon e de Dewlais. Todas estas experiencias demonstraram que o phosphoro se combina com a “clolomea” e se elimina rapidamente nas escorias sob a forma de phosphato de cal e de phosphato de magnesia. D’este modo obtinha-se um aço excellente, partindo de uma fusão que encerrava 2 e 3% de phosphoro. A operação era, além d’isso, duplamente fructuosa, pois observou-se mais tarde que as “escorias de desphosphoração”, longe de serem residuos inuteis, podiam ser utilisadas como adubo, em consequencia da elevada percentagem em acido phosphorico.
Foi o que aconteceu. Actualmente, aquelles residuos transformarm-se em uma grande riqueza. Os agricultores servem-se d’elles, d’aquellas escorias, finamente pulverisadas, para adubar os terrenos em que cultivam os cereaes e a vinha. O valor das escorias entra em grande parte nos lucros das officinas que tratam os mineraes phosphorosos.
Thomas Gilchrist tirou carta patente para proteger o seu invento, que valia milhões. A má sorte, porém, quiz que o seu processo não pudesse ser aplicado na Inglaterra, dando-se por feliz em ceder o direito de o explorarem na Belgica e norte de França mediante 50 libras esterlinas (225$000 réis). Mal recebeu aquella quantia, correu a comprar um casaco e uma garrafa de vinho do Porto. Mezes depois morria, succumbindo à tuberculose.
Entretanto o comprador da carta patente do seu invento fazia, a seu turno, a venda da mesma por 800.000 francos, 144 contos em moeda portugueza, e este contrato era uma prova de que a industria metallurgica adoptara o descobrimento de Thomas Gilchrist, que recebeu por elle a insignificante quantia de 50 libras e que estava exposto a morrer de miseria, se a tuberculose não se incumbe de o matar a tempo.
Thomaz Gilchrist pertence á categoria dos inventores que, com os seus descobrimentos, valorisaram riquezas até então inuteis, fornecendo ás industrias e até á agricultura novos meios de desenvolvimento. Morreu pobre, na miseria mesmo e, comtudo, quantos enriqueceram depois à sombra do seu invento?
Os jazigos de mineral fosforoso tornaram-se verdadeiras fontes de riqueza com o invento de Tomaz Gilchrist. Na Lorena franceza havia uma grande bacia de mineral fosforoso de que ninguem fazia caso. E com se havia de fazer, se as despezas de exploração não eram compensadas, sendo tudo gasto em pura perda? Desde que se adoptou, porém, o processo descoberto pelo pobre amanuense de notario, a grande bacia ferrifera passou de 1880 1896 por uma profunda transformação. Não faltaram concessionarios aos jazigos, organisando-se poderosas companhias metalurgicas que chamaram a vida industrial uma região até então consagrada aos pacificos trabalhos de lavoura.
A grande bacia ferrifera acha se situada no cruzamento das fronteiras belga, luxemburgueza, alemã e franceza. Coube, porém a parte melhor à França tanto pela qualidade do mineral como pela extensão dos terrenos, que cobrem 60:007 hectares no Meurthe e Moselle, prolongando-se até ao Meuse. O oxydo de ferro apresenta-se ali sob a forma de pequenos grãos, aos quaes os geologos dão o nome de “colithos”, envolvidos em um cimento calcareo. O mineral ocupa varias camadas sobrepostas que os mineiros denominam, segundo o colorido, verde, vermelha, cinzenta, parda, amarela e negra.
Está calculado que o mineral existente só no territorio francez atinge tres mil milhões de toneladas. Uma riqueza enorme valorisada antes do processo de desfosforação imaginado por Tomaz Gilchrist e que hoje sustenta milhares de operarios, dá a opulencia aos proprietarios dos altos fornos tanto da França como da Alemanha e das forjas do Rhur, Sarro e Rheno.
Diz-se agora que os alemães, já senhores de 5.000 hectares d’aquela superficie mineira por meio de concessões pacificas, tinham em mira declarar a guerra à França, ficar com os jazigos, terrenos e tudo mais, logo que viesse a liquidação de contas que desde o começo do conflito presumiam favoravel ás suas ambições.
É muito possivel que assim fosse. Assim como ha individuos que desejam o que é dos outros, tambem ha nações que fazem o mesmo. A este respeito, a historia que é a grande mestra da vida, não deixa a menor duvida a tal respeito.
Nonio - "Chronica scientifica - A idade do ferro - O que ella durará e porque – Os jazigos ferriferos e a industria do ferro – Mineraes phosphorosos aproveitados por um processo novo – O inventor d’esse processo – A sua miseria e morte – Um grande jazigo – A Allemanha - O que ella esperava realisar"
in Diário dos Açores
de 5 de Julho de 1915, nº. 7165, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=918.