Volta o planeta Marte a apparecer no céu, lá para os lados do Oriente, seguindo o curso inexoravel que lhe marcam as leis dinamicas da natureza. Ha mais de um anno que o nosso companheiro celeste desaparecera da nossa vista, podendo agora observar-se, pelas tres horas da manhã, na constellação do Touro, abaixo das Pleiades e perto de uma das estrellas mais brilhantes do céu, conhecida pelo nome de Aldebaran. Marte brilha como uma estrella de primeira grandeza, não sendo a sua intensidade luminosa muito inferior á da estrella que acabamos de citar.
Mesmo ao menos prático em observações astronomicas denuncia se pela sua cor accentuadamente alaranjada, quasi rubra.
No momento actual, o avermelhado planeta acha-se ainda muito longe de nós. Por conseguinte, para ser fructuosamente observado, necessitam-se de poderosos instrumentos, distinguindo-se já por este meio bastantes pormenores do seu disco, sobretudo quando a imagem está perfeitamente tranquilla.
Dotado de movimento directo, Marte aproxima-se da constellação dos Gemeos e no mez de outubro atravessará a de Cancer, para em janeiro estar perto da estrella Regulua. Então o planeta começará a retrogradar, situando-se em opposição com o Sol em meados de fevereiro de 1916, data em que o seu diametro apparente terá o dobro do que offerece actualmente. Esta opposição não será das mais favoraveis no sentido estricto da distancia do planeta à Terra. Em compensação, para as nossas latitudes, offerecerá uma vantagem especial: a de poder observar-se a muita altura sobre o horisonte, pois, na sua declinação boreal, o planeta alcançará quasi 20 graus, circumstancia que permitirá, esperam os astronomos, obter boas imagens telescopicas.
Como succede sempre nas opposições longinquas de Marte, este apresentará então o seu polo boreal. Se a este facto se juntar o do solsticio do inverno boreal de Marte, occorrido em maio d’este anno e o do equinocio da primavera que se verificará em 11 de outubro proximo, é evidente que se poderá observar a fusão dos gelos boreaes, talvez até á sua completa desapparição, observação que não deixará de ter o maior interesse para o estudo: não só da topographia de Marte, mas tambem da sua climatologia.
Presentemente, estando o polo boreal ainda occulto, só se se distinguem uma facha reduzida de neves e véus brancos ao pólo austral, indicando ou revelando com segurança as ultimas condensações nivosas que subsistem n’aquellas regiões depois do derradeiro verão. Na realidade, as observações physicas verdadeiramente fructuosas só poderão começar no proximo outubro. Os astronomos em geral preparam-se para observar tudo quanto de notavel possa occorrer na superficie do pequeno mundo que, como o nosso, pertence ao systema solar.
O interesse do estudo scientifico de Marte é consideravel. Por emquanto, apesar do muito que se tem effectuado, do muito que se tem descoberto com relação ao planeta marciano, o nosso raio de acção é muito pequeno, achando-se as conclusões a que se tem chegado envoltas ainda n’um certo vago e duvida: Preseverando-sr no estudo de Marte que, relativamente, tão proximo está de nós, quem sabe até onde esse estudo nos conduzirá? Quem sabe se fará revelações imprevistas ácerca dos mysterios que ainda envolvem a vida extra-terrestre?
De estimar será que os astronomos façam farta colheita, pois na verdade ha ainda muito a desvendar em tudo quanto os nossos olhos vêem atravez d’esse espaço infinito, onde tantos soes fulguram e tantos mundos gravitam em volta d’elles, n’um conjuncto de manifestações e de phenomenos surprehendentes que o homem de sciencia procura penetrar, a fim de contribuir para o melhor conhecimento do Universo.
Deixemos Marte e passemos das regiões celestes para as da nosso mundo, que nos está dando um espectaculo bem pouco edificante da civilisação de que a humanidade tanto se ufana.
Todas as energias industriaes estão hoje voltadas para a colossal empreza de fabricar munições, muitas munições, a fim de arruinar villas, cidades e aldeias. Mencionou-se ultimamente uma extraordinaria prodigalidade de projecteis, nada menos de 700.000 granadas arremeçadas em algumas horas pelos canhões allemães contra os russos. A carga de explosivos até aqui empregada excede tudo quanto se possa imaginar. Quando as minas e os fornilhos expludem simultaneamente, a terra é sacudida e abalada como quando se dão cataclysmos naturaes. No entanto, os effeitos dos explosivos, por muito violentos que sejam, não são nada em comparação com os que resultam das forças naturaes incessantemente em acção no nosso planeta.
A explosão das maiores granadas, inventadas pelo genio destruidor da humanidade, a explosão das minas e de fornilhos, por muito violenta que seja, não pode dar alguma ideia das forças postas em jogo pela natureza para transformar o mundo. O tremor de terra de 18 de outubro de 1891 no Japão, foi provocado por uma explosão interior, que sacudiu e fez sentar os seus effeitos n’uma área de 240.000 kilometros quadrados. Entre outros effeitos, o tremor de terra produziu um muito notavel: o de fender o solo em uma extensão de 112 kilometros, havendo pontos em que a fenda tinha 20 metros de altura, observando-se estradas completamente cortadas em todo o percurso.
Como fornilhos de minas, a meteorologia endógena offerecenos exemplos não menos typicos. Quando os vulcões vomitam as entranhas do globo, são milhões de metros cubicos de escorias que são lançadas para a superficie da Terra. As pressões internas attigem valores incalculaveis. Avalie-se pelos seguintes factos:
Por occasião da erupção do Krakatoa, em 1883, as poeiras expellidas pelo vulcão chegaram muito acima de 80 kilometros de altura e levaram annos a cahir. Como tudo é pequeno diante do que o homem produz.
Actualmente, assignalam-se signaes de agitação no Etna, um vulcão que ha mais de novecentos annos tem estado quasi sempre em actividade. Ora pela cratera passam correntes de lava que se acumulam lentamente; ora, pelo contrario, a acumulação das materias se faz de um só jacto, como succedeu na terrivel erupção de 1669, em que se viu o vulcão vomitar uma torrente de materias em fusão por uma abertura de 160 metrosde diametro, e isto durante 20 dias seguidos. Nada pôde resistir ao impulso de tão formidavel massa, que na sua passagem espalhou o terror e a desolação.
Ora estes meios de destruição é que o homem ainda não pôde adquirir e applicar para triumphar da resistencia dos adversarios, e certamente jámais o conseguirá embora tenha em materia de explosivos obtido muito. Mas não forcemos de mais a nota do impossivel. Quem havia de dizer, antes de começar a guerra actual, que o quasi minusculo submarino havia de ser uma arma terrivel contra esses colossos conhecidos pelo nome de dreadnought, obrigando-os a ser cautelosos e prudentes? Como tantas cousas se téem transformado!
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Nonio - "Cronica scientifica - O planeta Marte – Onde se acha actualmente – Os astronomos preparam-se para o observar – O que se espera do estudo de Marte – Os explosivos modernos comparados com os da Terra – Considerações a proposito"
in Diário dos Açores
de 28 de Agosto de 1915, nº. 7212, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=945.