Os soldados anglo-francezes devem ter sofrido, ha mezes, panico egual ao que acometeu os legionarios romanos, quando pela primeira vez, em Heracleia, se defrontaram com os elefantes de guerra que Pirro, rei do Epiro tinha trazido à Italia. Viram efectivamente uma coisa nunca vista – partir das trincheiras alemãs e caminhar lentamente, rasando o solo, uma nuvem de vapor amarelo esverdeado, de 7 a 8 quilometros de comprimento. Ao mesmo tempo a artilharia fazia ouvir a sua voz terrivel, e uma chuva de projecteis caia sobre o terreno ocupado pelas reservas e sobre o que elas teriam de percorrer para irem prestar auxilio às primeiras linhas; entre esses projecteis alguns havia que rebentando, davam origem a outras nuvens de menores dimensões, tambem constituidas por gazes da mesma natureza.
Os soldados das primeiras trincheiras, que a nuvem veiu encontrar sobre os seus abrigos, foram rapidamente asfixiados; os outros fugiram deante dela e foram cair na segunda linha, cançados e incapazes de oferecer qualquer resistencia séria aos inimigos que, munidos de um aparelho especial que lhes cobria a boca e as ventas; evolucionavam á vontade naquela atmosfera asfixiante.
O gaz era pesado, visto que a nuvem rasava o solo; e tinha um cheiro sufocante que lembrava o do cloro a que se tivesse adicionado qualquer substancia productora de vapores nitrosos. Ao seu contacto, sentiam-se picadas nos olhos, nas ventas e na garganta, e tossia-se incessantementemente, depois vinha a dificuldade de respirar, uma opressão como se estivesse comprimido o peito e a garganta dolorosa; depois a sensação de queimadura intra-toracica, a tosse mais penosa ainda, espectoração abundante mais ou menos sanguinolenta, e uma sensação de extrema fadiga, e perda de conhecimento. Tudo isto era rapido; alguns soldados eram tão violentamente atacados que não podiam fugir adeante da onda gazoza; outros, abatidos, fatigados, deixando pelo caminho um rasto de sangue que lhes saía da boca em escarros e em vomitos, conseguiam chegar à segunda linha.
Quando no dia seguinte os observaram, nos hospitaes militares de Calais, viram que eles estavam ainda deprimidos, fatigados; os olhos lacrimosos, as palpebras inchadas, conjuntivite em alguns; labios, faces e orelhas de cor violacea, tosse quintosa e incessante, e os musculos toracicos extremamente doridos; espectoração abundante, rosada de sangue, ás vezes francamente sanguinolenta; a palavra dificil, entrecortada, obnubilação intelectual, lingua seca, saburrosa e congestionadas as mucosas das vias respiratorias, em alguns, pontadas; fervores no peito, os grossos e humidos, ou muito finos, e ás vezes verdadeiros fervores crepitantes. Era enfim a inflamação de toda a arvore respiratoria até ás mais finas ramificações bronquicas, em alguns casos pneumonia, e tambem alterações das vias digestivas que se manifestavam por estado saburroso, com fastio: sensação de queimadura no esofago e no estomago, e em alguns intolerancia gastrica, sendo os vomitos por vezes biliosos ou sanguinolentos, diarrea, figado grande e doloroso, etc.
80 por 100 dos soldados que tiveram baixa por este motivo aos hospitaes de Calais, e que tinham respirado os gazes asfixiantes na tarde de 23 de abril sairam curados em pouco tempo, entre 8 e 14 dias. Dos que ficaram ainda em tratamento, viu-se que na maior parte se tinham declarado sintomas de bronquite generalisada com expectoração purulenta, em outros broncho-pneumonia, em outros ainda pneumonia franca ou gangrena pulmonar. A temperatura que geralmente era pouco elevada subiu nestes doentes a 39º e mais.
O comando superior do exercito anglo-francez tomou imediatamente medidas para inutilisar os ataques feitos com esta nova arma, e em menos de 48 horas eram fornecidas aos soldados, mascaras de gaze embebida num soluto glicerinado de hiposulfito sodio, com a recomendação de as molharem em agua e fixarem no rosto de forma a cobrirem o nariz e a boca, logo que se visse sair das linhas inimigas a nuvem asfixiante. Em Italia aconselharam mais tarde, para embeber a gaze, um soluto saturado de carbonatos de sodio e de potassio, e recomendaram que se forrasse a mascara internamente de flanela, para que esse soluto castico não estivesse em contacto com a mucosa da boca.
A cor, o cheiro e a densidade do gaz fez imediatamente pensar em que se tratava do cloro ou duma mistura de gazes em que aquele predominasse. Estudos feitos no Laboratorio Municipal de Paris confirmaram isso mesmo; mas supõe-se que além do cloro, os alemães empregam tambem o bromio e os acidos cloridrico e bromidrico. O bromio é liquido mas emite, a baixa temperatura, vapores irritantes em grande quantidade, ele serviria, porventura, especialmente para carregar os obuses.
Passou o primeiro momento de terror; hoje os soldados que se batem contra os imperios centraes estão munidos das suas mascaras protectoras, e naturalmente, nos laboratorios quimicos de Paris e Londres, procura se um novo gaz para que não haja tão facil defeza, a fim de dar condigna resposta a sciencia alemã no campo da guerra.
Mas a introducção da 5ª arma foi uma crueldade e um dispendio inuteis, os alemães já devem estar convencidos de que não é precedidos de nuvens de cloro que hão de tomar Paris, como Pirro, apesar da victoria de Heracleia, não conseguiu trazer os seus elefantes a beber as aguas do Tibre, junto das sagradas muralhas de Roma.
F. Mira - "Os gazes na guerra"
in Diário dos Açores
de 7 de Setembro de 1915, nº. 7220, p. 1 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=948.