Desde a edade média – e não sabemos de época mais atrazada – que se conhece a crença da influencia da musica sobre as manifestações individuais ou colectivas da patologia psiquica.
Está realmente provado que os nevropsicopátas, atingidos por inumeras formas de desiquilibrio intelectual, afectivo ou sensitivo-motriz, são susceptiveis na medidas das suas aptidões e da sua cultura musical, de beneficiar da meloterapia. Segundo os especialistas afirmam, as indicações desta terapeutica escapam a qualquer formulario e não podem concluir-se senão do estudo aprofundado de cada caso individual.
Tal processo despertará em cada um desses doentes, associações de imagens, de ideias ou de sentimentos, uma série de recordações que exercerão sobre o espirito do paciente uma influencia favoravel ou nefasta mas de ordem secundaria e extranha á musica.
Afirma-se, porém, duma forma que destroe a antiga fé no infinito poder da musica como meio curativo, que os grandes doentes, os que apresentam formas francas, afectivas ou delirantes da loucura, são quasi insensiveis à méloterapia.
Existe comtudo uma curiosa aplicação da musica, descoberta por um dentista francez, M. Drosner, na anestesia dos clientes seus.
A comunicação foi apresentada ha tempo por M. Laborde á Academia de Medicina de Paris.
Com efeito, os dentistas servem-se, geralmente do protoxido de azote (gaz hilariante) para insensibilisarem os seus clientes.
Mas a anestesia produzida deste modo tem numerosos inconvenientes, entre outros o de colocar os pacientes num estado de excitação dolorosa. Empregando o protoxido de azote, M. Drosner observou que os seus clientes tinham sonhos que se relacionavam com os ruidos do exterior, vindos pela janela que deixava aberta. Daí concluiu que a causa desses sonhos era auditiva e pensou que transformando a natureza dessa causa seria transformado o genero dos sonhos, estava assim indicada a substuição de uma harmonia musical á cacofonia da rua.
Depois de muitas tentativas naquele sentido, M. Drosner chegou a encontrar um método por meio do qual converteu em sonhos agradaveis os terrores habitualmente gerados pelo protoxido de azote.
M. Drosner recorreu ao fonografo. Colocou um destes aparelhos no quarto contiguo ao gabinete de operações, munindo-se de dois condutores telefonicos ligados a dois pavilhões auditivos facilmente adaptaveis aos ouvidos. Logo que era aplicada a mascara facial para a anestesia, começava a musica. Efectuava-se então a operação dentaria sem o paciente dar por éla, alguns sentiam mesmo uma certa alegria em quanto durava a operação. Uma senhora nova confessou ter estado a supor que dançava ao som de uma musica alegre, durante a sua anestesia.
A este proposito M. Laborde recordou não ser já esta a primeira vez que a musica desempenhava um papel terapeutico, os medicos alienistas muitas vezes a empregaram com exito. Moreau (de Tours) tinha organisado, em Bicêtre, sessões semanais de musica, e a “duche musical” como ele chamava a essas sessões produzia, frequentemente efeitos calmantes nos doentes mais agitados.
Claro que admitidas as reservas que acima deixamos apontadas.
E ora aqui está como o fonógrafo a que se pode confiar no grau que se pretender a duche musical, pode vir a ter uma aplicação verdadeiramente benemerita que os seus inventores estavam bem longe de suspeitar.
[n.d.] - "A musica como agente terapeutico - Nevroses e arte dentaria - O fonografo na terapeutica"
in Diário dos Açores
de 20 de Novembro de 1915, nº. 7282, p. 1 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=982.